Pensar Piauí

Guerra moral/guerra híbrida, direitos sociais e trabalhistas e projeto econômico: as máscaras e os cenários

Guerra moral/guerra híbrida, direitos sociais e trabalhistas e projeto econômico: as máscaras e os cenários

Por Maria Sueli Rodrigues de Sousa, Professora da UFPI Vivemos um tempo múltiplo ou de pluri acontecimentos que parece uma grande salada em que nada se relaciona com nada. E pode até ser mesmo só caos, mas não conseguiremos tornar nossa ação estratégica se não estabelecermos elos entre o que está ocorrendo, mesmo sob o risco de sermos arbitrários. Com esse entendimento, corro o risco da arbitrariedade na tentativa de produzir sentido para repensar nossas ações. Oriento a minha preocupação tentando responder à questão: quais as conexões que há entre guerra moral ou guerra híbrida (ESCOBAR, 2018), ataque aos direitos sociais e trabalhistas e política econômica? E como indicação de resposta a perspectiva de que as três dimensões se organizam em forma de rede (LATOUR, 1994), em que nós atuamos estabelecendo suas ligações de modo consciente ou não. A argumentação está organizada a partir da orientação de Herbert de Souza (1984) ao indicar como fazer análise de conjuntura e com a discussão de rede de Bruno Latour (1994), no seguinte itinerário analítico: os fatos/acontecimentos e suas conexões formando cenários de ataques e de resistências, atrizes e atores da resistência e suas fragilidades e potências e a conexão entre a conjuntura e a estrutura do projeto modernidade/colonialidade. Os fatos que emergem no cenário que minha vista alcança ao final do ano de 2018 estão marcados por: discursos e atos pulverizados de negação à identidade sexual, de gênero e étnico-racial, discursos e atos de resistência na afirmação da liberdade de ser numa sociedade que se funda nas garantias dos direitos individuais, discursos de negação e de afirmação de direitos e discursos que atribuem a proteção de fronteiras do país a qualidade de barreiras. A negação de identidades é ataque ao direito à vida e figura como grande retrocesso em que ao invés de lutas libertárias ou por direitos, luta-se pelo direito de ficar vivo e, de certo modo, secundariza a luta por direitos, por liberdade e pela proteção à soberania, o que configura o primeiro cenário o da guerra moral ou guerra híbrida, em que se luta para continuar vivo como mulher, pessoa negra e indígena e população LGBTI, com discursos marcados pela ideia de que quem determina tudo é a maioria e a minoria que permaneça como minoria sem direitos, nem mesmo o direito à vida. Outro cenário que se configura é o da luta por direitos trabalhistas com duas centralidades: a luta contra a reforma trabalhista que retirou as proteções que o direito trabalhista consolidou como necessário para dar condições mínimas para equidade à parte que se encontra inferiorizada na relação de trabalho. A outra centralidade é a luta contra a reforma da previdência alegada sob a justificativa de desequilíbrio entre o que arrecada e o que paga, mas que não se sustentou perante à CPI da previdência que identificou o problema dos grandes devedores que não são cobrados e ausência de garantia do Estado na sua participação em forma de política pública de seguridade social. Os sindicatos que tiveram a sua atuação institucionalizada mais evidenciada, passam a fazer discurso de que é preciso colocar nas ruas a luta para evitar o adensamento da reforma trabalhista e ampliar os enfrentamentos contra a reforma da previdência. Um terceiro cenário é o das relações internacionais, com pouca visibilidade. O Brasil na última década assumiu protagonismo nas relações internacionais na formação e/ou fortalecimento de agrupamentos com países assemelhados seja na situação socioeconômico, seja no perfil político com destaque para dois agrupamentos: Mercosul e BRICS. O fortalecimento do Mercosul torna mais empoderado países historicamente inferiorizados nas relações internacionais com a permanente renovação dos vínculos coloniais, o que afeta interesses que se beneficiam com a herança colonial, o que colocou em mira países que tiveram governos mais aproximados de demandas populares, dentre estes o Brasil, sendo a forma privilegiada para enfrentar a ameaça de empoderamento a atuação das instituições em forma de combate à corrupção numa atuação seletiva com destaque para lideranças como Lula, Cristina Kircher e Raphael Correa. Já os BRICS grupo político formado pelos países Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que se configuravam como mercado emergente, e se juntam para ampliar seu crescente poder econômico e sua influência geopolítica, com isso passando a almejar tornar-se símbolo da mudança no poder econômico global, diferenciando-se e distanciando-se do G7, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. O enfrentamento ao poder dos BRICS que vai se configurando é feito pelo ataque às soberanias mais frágeis com instituições menos consolidadas. No caso o Brasil e a África do Sul, adotando como estratégia a mesma para o enfraquecimento do Mercosul: o combate à corrupção. E o caso brasileiro com o adendo da guerra híbrida ou guerra que encontrou terreno fértil nas estruturas conservadoras do Brasil. O quarto cenário, e o menos visível, é o pré-sal! A reserva de petróleo se encontra no Brasil nas regiões sul e sudeste numa área de aproximadamente 800 km, com estimativa de até 100 bilhões de barris e teve sua existência anunciada em 2010. Desde então os discursos sobre o pré-sal são raros. O pouco que foi evidenciado foi para afirmar que não era estratégico por custar muito caro a sua exploração. Depois quase sempre só silêncio. O fato é que o quinto leilão já aconteceu e quase nada é divulgado. O último leilão aconteceu às vésperas das eleições e o resultado foi 90% adquirido por empresas estrangeiras e mais uma vez a Petrobrás perdeu e a aquisição foi por valores irrisórios com uma política de aquisição do petróleo refinado a preço de dólares. O resultado final é que o único cenário muito exposto é o da guerra moral. Como se os demais não existissem, especialmente, o da política internacional e o pré-sal, o que implica numa fragilidade para quem está no campo atacado que reduz sua força. Como o cenário mais exposto é o da guerra moral, os atores e atrizes que mais aparecem são conservadores versus minorias raciais, lgbti’s e de gênero pelos discursos de ideologia de gênero, de escola sem partido, ameaça a demarcação em curso de terras indígenas e discurso moral de capitalismo versus socialismo/comunismo. Mas vale considerar que há outros atores e atrizes na cena: a classe trabalhadora com seus direitos atacados e/ou ameaçados, capitalistas internacionais e grande empoderamento do capital financeiro e líderes mundiais e brasileiro. Esse conjunto de atores e atrizes resultam numa correlação de forças com pouco empoderamento das minorias identitárias, da classe trabalhadora e da soberania brasileira e forte empoderamento do capital internacional, de empresas estrangeiras, das soberanias imperialistas com a colaboração do governo brasileiro e daqueles que se consideram a elite do país. Essa correlação de forças de pouco empoderamento de quem resiste e forte empoderamento de quem ataca minorias, classe e soberania nacional fortalece as estruturas de colonialidade que se encontram em permanente reconfiguração desde o fim da colonização declarada. Permanecemos como imaginário colonizado com a utopia de nos tornarmos o colonizador, sem nem mesmo refletir sobre a importância de ter um imaginário que nos liberte daquilo que o colonizador construiu como pensamento brasileiro. O que demanda que o enfrentamento há que ser contra o projeto de europeização do mundo para criar um sentimento de nação pela tematização e luta contra a primeira subalternização engendrada para viabilizar o projeto colonial e que serviu de matriz para todas as outras subalternizações, a racialização do mundo que naturalizou a inferiorização e tornou-a estrutura de pensamento e das subjetividades. A racialização do mundo torna todos os países não europeus na condição de inferiorizados, galgando outro lugar apenas os que se configuraram como extensão da Europa, EUA e Canadá que servem como isca para a América latina e África como se fosse o exemplo: “se eles conseguiram, nós também vamos conseguir”. E continuamos nesse itinerário alimentando a utopia de nos tornamos Europa. É preciso romper com a mesma para sonharmos com a emancipação destes elos que nos escravizam há mais de 500 anos.  

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