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A disputa entre a grande mídia e plataformas digitais está exposta

O colunista Mario Vitor Santos comenta sobre o PL das Fake News e alerta: 'há que se opor à imprensa golpista, à mídia das fake news da Lava-Jato'

Foto: ReproduçãoGoogle e a marca da Globo
Google e a marca da Globo

 

Por Mario Vitor Santos, jornalista, no 247

A disputa entre a grande mídia corporativa brasileira e as plataformas digitais internacionais está exposta espetacularmente, como nunca antes, na tramitação do projeto de lei 2630/20, chamado de "projeto das fake news", que afinal parece ir para o cemitério.

Retiradas as acusações de fachada entre os personagens, trata-se de mais uma batalha da campanha pelo domínio do mercado de comunicação no Brasil. Materialmente, é disso que se trata, muito além das estocadas de parte a parte.

Globo e agregados, em crise terminal de seu modelo de negócios,  tentam manter para si algum oxigênio que lhe prolongue o alento vital. Seu estrebuchar é muito perigoso,  apesar da decadência.

As redes, já vitoriosas, resistem insidiosas.

Na disputa encarniçada nenhum dos dois pode assumir suas verdadeiras intenções. Desviam o foco do assunto real, o da disputa pela dominância de mercado.

De algum modo, que não ficou claro no relatório do deputado Orlando Silva, o projeto de lei das Fake News, oriundo do Senado em 2020, incorporou na Câmara, em 2021, o artigo hoje identificado como 32.

É um artigo estranho à natureza da proposição, mas atingiu importância política e econômica maior do que qualquer outro para o governo e a mídia corporativa brasileira. Trata da remuneração pelas plataformas aos produtores de conteúdo jornalístico, uma boia de salvação para a Globo e os outros veículos.

É este o artigo que o relator na Câmara achou por bem enxertar no projeto original vindo do Senado.

É uma luta ciclópica, travada em inúmeras frentes e com o recurso às armas, os olhos e os sons da dissimulação.

A Globo e seus satélites acusam as plataformas de tudo que há de pior: de estimular massacres a escolas, suicídio de adolescentes, inimizade nas famílias, golpes e invasão aos palácios dos três poderes, por exemplo.

As redes, com apoio da extrema-direita, acusam o projeto de querer impor a censura ao regular o conteúdo das redes.

Mais do que isso, no projeto original, não havia também nada de imunidade parlamentar estendida às redes, não havia discussão de conteúdo (deixada ao Código Civil), não havia  tipificação de crimes (para a qual existe o Código Penal).

O artigo 32 estendia uma ponte do governo Lula com a mídia corporativa em sua disputa com as plataformas.

Já uma parte da mídia progressista não via sentido nesse aliança que, por sinal, parece estender a lua de mel tacita, enganosa e inconfiável existente entre a esquerda e o centro desde o governo Bolsonaro.

Ironicamente, a esquerda, Lula e o PT beneficiaram-se, ao menos pontualmente, do novo ambiente político criado pelo uso que fizeram da nova realidade criada pelas plataformas. Os portais progressistas e de esquerda puderam estabelecer um contraponto, tornando-se cada vez mais influentes em dinâmica interação com o público.  Tal movimento não pôde em seguida ser ignorado pela própria mídia corporativa. É bem verdade que a extrema-direita direita e o bolsonarismo também se beneficiaram da nova situação.

É possível especular que a história recente do Brasil seria diferente sem os meios alternativos de esquerda, sua influência política sobre o jornalismo e deste sobre a opinião de parcela muito importante dos brasileiros.

Lula é o primeiro a valorizar e agradecer pelo apoio e a disputa de narrativas estabelecida com os meios conservadores, inédita em extensão e influência sobre o desfecho histórico.

O projeto 2630 colocou em questão também essa outra disputa "de classes" por espaço e recursos entre a mídia corporativa, que apoiou tantos ataques ao processo democrático (a Lava-Jato, o impeachment de Dilma e a prisão de Lula).

Essa disputa só foi possível pela existência da realidade das plataformas. Há que se opor à imprensa golpista, à mídia das fake news da Lava-Jato em todos os momentos. A história passada e recente não autoriza nenhuma ilusão. É possível uma lei que civilize as plataformas sem alimentar de novo os inimigos de sempre.

O cíclope vem aí de novo.

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