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Ambiente digital agitado: STF amplia dever das plataformas e setor reage

STF amplia responsabilidade das big techs e provoca reação: empresas falam em “censura preventiva” e judicialização em massa


Reprodução Ambiente digital agitado: STF amplia dever das plataformas e setor reage
Big Techs

As gigantes globais da tecnologia reagiram com forte crítica à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que altera a interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet. A medida, aprovada por 8 votos a 3, amplia a responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos considerados ilegais — mesmo sem decisão judicial prévia — e foi encarada pelas empresas como um retrocesso que ameaça a estabilidade regulatória e jurídica do setor no Brasil.

A Câmara Brasileira de Economia Digital (camara-e.net), que reúne nomes como Google, Meta, Amazon, Mercado Livre, Kwai e TikTok, afirmou em nota que a nova jurisprudência transforma o país em um dos ambientes digitais “mais juridicamente instáveis e regulatoriamente complexos do mundo democrático”. O setor alerta para o risco de uma “judicialização em massa” e de um ambiente marcado por insegurança jurídica, aumento de custos e remoções preventivas de conteúdo legítimo.

A decisão do STF impõe às plataformas a obrigação de remover, de forma proativa, conteúdos de teor antidemocrático, discriminatório ou que incentivem crimes — mesmo sem ordem judicial. Para as empresas, trata-se de um rompimento com a lógica do Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, que condicionava a responsabilidade civil das plataformas ao descumprimento de decisão judicial.

Um dos pontos mais criticados pelas empresas é a ausência de diferenciação entre tipos de serviços digitais e entre grandes e pequenas plataformas. “As exceções previstas não abrangem toda a diversidade de serviços e geram incertezas sobre sua aplicação prática”, diz a camara-e.net. Segundo a entidade, a medida afeta de forma desproporcional as empresas brasileiras de pequeno e médio porte, que não têm estrutura para arcar com os custos jurídicos e operacionais decorrentes da nova exigência.

Os marketplaces também estão no centro da polêmica. A decisão do STF abre espaço para que plataformas como o Mercado Livre sejam responsabilizadas solidariamente com os vendedores, com base no Código de Defesa do Consumidor. Para o setor, isso pode levar à exclusão preventiva de produtos legais, movida pelo receio de sanções.

Além das críticas, as big techs se mobilizam para pressionar o Congresso Nacional a aprovar uma nova lei que regule a responsabilidade das plataformas de forma mais clara e previsível. A própria decisão do STF, em trecho do acórdão, sugere que o Legislativo deve assumir o protagonismo regulatório no setor: “Apela-se ao Congresso Nacional para que seja elaborada legislação capaz de sanar as deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais”.

O setor teme que, com o vácuo de regulação clara, se intensifiquem campanhas de denúncias ideológicas — inclusive com denúncias em massa organizadas por grupos contrários a conteúdos progressistas. As plataformas afirmam que isso poderá gerar “censura colateral”, com impacto negativo sobre a liberdade de expressão.

Durante o julgamento, o ministro Edson Fachin votou contra a mudança na interpretação do artigo 19. Em sua manifestação, afirmou que o Judiciário não deve assumir, sozinho, o papel de regulação das redes e que o debate sobre responsabilidade digital exige uma legislação mais ampla e sistêmica. Fachin alertou para o risco de censura indireta e afirmou: “A adoção de controle de discurso dos usuários não faz parte do estado de direito democrático”.

A decisão do STF é vista como reflexo direto da omissão legislativa em avançar com a regulação do setor. O projeto de lei conhecido como PL das Fake News, que tentava criar regras claras para as plataformas, está paralisado no Congresso há mais de dois anos. Com a ausência de legislação específica e a crescente pressão por responsabilização das plataformas em episódios de desinformação, discurso de ódio e ataques a minorias, o STF decidiu agir.

O voto da maioria — formada por ministros como Luiz Fux, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes — amplia o dever das plataformas de atuar preventivamente diante de conteúdos potencialmente lesivos. Para os ministros, o modelo anterior tornou-se insuficiente frente à dinâmica atual da internet e ao poder acumulado pelas empresas do setor.

Enquanto isso, o setor de tecnologia se prepara para um cenário de incerteza jurídica, aumento de litígios e pressões políticas. As grandes plataformas apostam em uma reviravolta via Congresso, mas já projetam um cenário de adaptação complexa — e custosa — ao novo marco estabelecido pelo STF.

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