O racismo estrutural
Os últimos episódios de racismo no futebol brasileiro e espanhol revelam a urgência de compreender o racismo de forma ampla e contextualizada. Ou seja, para além da visão de senso comum de que a pessoa que cometeu o ato é “atroz”, “malvada”, “doente”, “perversa” etc.
O racismo no futebol vem sendo naturalizado, justamente pela falta de políticas públicas eficientes contra o preconceito racial dentro do esporte. E, em se tratando de mulheres negras, mesmo representando 28% da população brasileira, são minoria e sequer são representadas em algumas modalidades esportivas, e ainda enfrentam barreiras no acesso à educação, trabalho, saúde, com salários menores, altas taxas de desemprego e de feminicídios.
Nos últimos tempos, a polarização da vida sociopolítica no Brasil tenta naturalizar as manifestações de "racismo à brasileira", que estrutura a nossa sociedade da forma mais cruel e chegou ao esporte, onde já foi o palco de muitas manifestações de enfrentamento ao preconceito racial e fonte de ídolos de pele negra – Pelé, Rebeca Andrade, Melânia Luz, Romário, Daiane dos Santos, Rafaela Silva, Ketleyn Quadros, Hélia Pinto (a “Fofão”), Aída dos Santos.
Um estudo de 2021 realizado pelos cientistas sociais Beatrice Magistro, da Universidade de Toronto (CAN) e Morgan Wack, da Universidade de Washington (EUA), concluiu que, pelo menos na primeira divisão do Campeonato Italiano, jogadores negros são punidos com mais rigor pela arbitragem do que atletas brancos. Os jogadores negros (independentemente da nacionalidade e da posição que ocupam em campo) são 11% mais propensos a receber cartão amarelo e correm 16% mais risco de serem expulsos.
Conforme Silvio Almeida (2019), em seu livro “Racismo estrutural”, associar uma atitude racista à intenção de prejudicar alguém não é a melhor forma de enfrentar o problema. Assim, torna-se imprescindível compreender como o racismo se imbrica e se dissemina na ordem social, analisando-o como uma questão estrutural na formação da sociedade brasileira.
Sílvio Almeida partiu das ideias de Kwame Turu e Charles Hamilton (1970), que, no livro "Black Power", apresentaram pela primeira vez o conceito de racismo institucional: “(...) muito mais do que a ação de indivíduos com motivações pessoais, o racismo está infiltrado nas instituições e na cultura, gerando condições deficitárias a priori para boa parte da população”.
Nesse sentido, para construirmos uma postura antirracista devemos compreender, em definitivo, que o racismo não tem nada a ver com comportamentos individuais vinculados à maldade ou índole, mas ao resultado do funcionamento normal de uma sociedade fundada na hierarquia racial (SILVIO ALMEIDA, 2019).
O racismo estrutural é uma prática social que está enraizado na sociedade, ou seja, no direito, na igreja, na economia, na ideologia, na escola, na política, no esporte. E se revela a partir de práticas, hábitos e falas cotidianas, tanto de forma consciente, como inconsciente. Ou seja, um país que se construiu com base em ideais racistas, o racismo deixa de se expressar como uma anormalidade e é naturalizado, como um componente significativo que escancara como as relações sociais e institucionais foram, historicamente, construídas.
Para a artista e teórica Grada Kilomba, no livro “Memórias da Plantação”, “o colonialismo é uma ferida que nunca foi tratada. Uma ferida que dói sempre, por vezes infecta. E outras vezes sangra”. Desse modo, para entender e enfrentar o racismo incrustado na estrutura de uma sociedade, é necessário compreender como chegamos até aqui.
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