Comunicação

Não há contradições entre Globo e bolsonarismo

Se o Grupo Globo é “liberal nos costumes” e o bolsonarismo, por sua vez, é “conservador nos costumes”, ambos são “liberais na economia”


Foto: Montagem pensarpiauiBolsonaro e Globo
Bolsonaro e Globo

Por Francisco Fernandes Ladeira, jornalista, no GGN 

Em meio à repercussão das enchentes no Rio Grande do Sul, os (supostos) antagonismos entre Grupo Globo e setores do bolsonarismo têm se destacado nos últimos dias. Na GloboNews, a comentarista de política Natuza Nery denunciou uma fake news divulgada pelo coach bolsonarista Pablo Marçal, sobre a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul impedir a entrada de doações no estado por conta da falta de notas fiscais. Na mesma emissora, a apresentadora Daniela Lima revelou o esquema detalhado de fake news criado e usado por bolsonaristas para espalhar o terror sobre a tragédia gaúcha.

De fato, assim como nos piores períodos da pandemia da Covid-19, as fake news compartilhadas por bolsonaristas (em outras ocasiões motivos de chacota) têm se tornado problema de saúde pública. Portanto, devem ser denunciadas. No entanto, essas contradições pontuais podem levar a falsa impressão de que existe um grande antagonismo entre o Grupo Globo (representante da “direita tradicional”) e o bolsonarismo (maior movimento da “extrema direita” no Brasil). E, o que é pior, parte da esquerda tem comprado este discurso.

Globo e bolsonarismo são duas faces da mesma moeda. A estratégica aliança eleitoral em 2018 para derrotar o PT é apenas um indicativo. Como dizia Bertolt Brecht: o fascismo não é o contrário da democracia burguesa é a sua evolução em tempos de crise.

Se o Grupo Globo é “liberal nos costumes” e o bolsonarismo, por sua vez, é “conservador nos costumes”, em contrapartida, ambos são “liberais na economia”. Estão juntos no que diz respeito ao mantra neoliberal “menos Estado, mais Mercado”. O próprio caso das enchentes no sul do país exemplifica essa questão.

Em seus noticiários, o Grupo Globo omite que a diminuição do papel do Estado, nesse caso relacionado ao governo tucano de Eduardo Leite, é um dos fatores que ajudam a explicar a tragédia que assola o Rio Grande do Sul (seja com a falta de investimento em medidas preventivas, seja afrouxando a legislação ambiental).

De acordo com dados divulgados pelo deputado estadual gaúcho Matheus Gomes, Eduardo Leite aprovou um código ambiental que enfraqueceu a proteção às nascentes de água e às unidades de conservação, permitiu a exploração de áreas de preservação permanente (como as regiões de matas ciliares, vegetação que acompanha a beira de um rio, instrumento natural de prevenção a enchentes) e facilitou para que empresários que desrespeitam o meio ambiente tenham acesso a crédito do estado. Não por acaso, durante os dois governos de Leite, o Pampa foi o bioma mais devastado do Brasil.

Como tais medidas foram em benefício do “deus Mercado”, logicamente, não serão criticadas pelos articulistas do Grupo Globo. Remetendo a um meme bastante compartilhado nas redes sociais, não é hora de apontar os culpados. Assinado: “os culpados”.

Por outro lado, bolsonaristas constroem falsas narrativas sobre o Estado brasileiro (representado pela figura do presidente Lula) não atuar em favor das vítimas das enchentes. Segundo eles, somente o setor privado pode resolver problemas de tamanha magnitude, o que, evidentemente, não condiz com a realidade.

Logo, Globo e bolsonarismo têm visões convergentes sobre a necessidade de um Estado mínimo. A diferença é que o grupo da família Marinho recorre a sofisticados procedimentos de manipulação, enquanto bolsonaristas utilizam grotescas fake news, compartilhadas exaustivamente em grupos de WhatsApp.

Mas essa aproximação não se limita às questões nacionais. Sobre a principal pauta da agenda pública global, o genocídio do povo palestino, bolsonaristas e Grupo Globo estão totalmente fechados com Israel. Ironicamente, um dos símbolos do suposto antagonismo entre o maior grupo de comunicação brasileiro e o principal movimento de extrema direita do país, a cantora estadunidense Madonna, também apoia o sionismo.

Isso gerou um caso inusitado. Para rebater críticas de bolsonaristas por ter ido ao show de Madonna, o advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, postou em sua rede social uma foto da rainha do pop com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. “Essa é só para quem acha que sabe de tudo, quando na verdade não sabe de nada”, escreveu Wajngarten.

Logo, não só o Grupo Globo, também Madonna e bolsonaristas têm mais em comum do que poderiam imaginar. Lembrando Tom Jobim, nesse caos informacional contemporâneo, analisar o Brasil, definitivamente, não é para principiantes.

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