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Vender estatais em tempos de crise beneficia empresários e prejudica a população

Governo anuncia a privatização de 12 estatais até 2021

Foto: CUTPrivatizações

 

Fonte: CUT

Em plena pandemia do novo coronavírus (Covid-19), com a economia em frangalhos, ao invés de pensar em como vai resolver a urgente necessidade de desenvolvimento sustentável com geração de emprego e renda e justiça social, o único plano do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) é a privatização de empresas públicas, patrimônio de todos os brasileiros.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou, mais uma vez, que até o final de 2021 pretende privatizar 12 estatais, entre elas, os Correios, Serpro, Dataprev e a Eletrobras, entre outras, como parte do  cronograma de desestatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que atende interesses do empresariado, mas não do Brasil e dos brasileiros.

O anúncio, que vem sendo repetido desde a posse do governo, vem no momento em que a economia mundial está em recessão e o Brasil, cuja economia já vinha desaquecida, caminha para um PIB negativo de 7% neste ano, de acordo com algumas projeções. Guedes, que não tem outro plano para a economia do país, insiste no discurso neoliberal de que as empresas privadas farão investimentos.

Eletrobras tem R$ 12 bi em caixa e lucro pela venda pode ser de R$ 10 bi   

O banqueiro que está a frente do Ministério da Economia quer que o governo “ se livre” das despesas originárias das estatais, sem levar em conta que na verdade, a imensa maioria das empresas que quer vender são altamente lucrativas como é o caso da Eletrobras, que tem em caixa R$ 12 bilhões, e que o governo quer  com a venda ter um lucro de apenas R$ 10 bilhões.

“Imagine um dono de padaria que tem R$ 110 mil em caixa. Ele vende o seu comércio por R$ 100 mil e deixa lá no caixa aquele dinheiro pra quem comprou. É isto que o governo quer fazer. Não tem sentido”, ironiza Ikaro Chaves, engenheiro da Eletronorte e diretor do Sindicato dos Urbanitários do Distrito Federal (STIU-DF).

Para a professora de economia da USP, Leda Paulani, o anúncio de que pretende privatizar estatais num curto prazo, é uma estratégia de Guedes dizer ao mercado financeiro que o programa ultraliberal com o qual Bolsonaro foi eleito, com apoio dos empresários, continua, apesar da condução da economia estar sendo revista em todo o mundo.

Pela primeira vez em quatro décadas há uma clara confrontação dos princípios neoliberais com os setores progressistas de que é preciso investir no social, do Estado ser o indutor da economia, diz Leda Paulani.

De acordo com ela, as posições de que a indutora do crescimento econômico é a iniciativa privada começam a ser fortemente questionadas e Guedes quer dizer aos neoliberais que o programa econômico brasileiro, de enxugamento do Estado vai continuar.

Uma das preocupações com a venda das estatais, prossegue a economista, é que o país perde as ferramentas, os graus de liberdade para poder intervir na economia.

“O investimento público é o que mais rápido tem efeito sobre o comportamento da economia. Nesta crise econômica, o governo deveria fazer um programa de investimento público. Não é hora de privatizar nada“, critica a professora da USP. 

Em entrevista à RBA, a ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior, corrobora a afirmação da professora sobre a importância dos investimentos públicos para tirar a economia do buraco, ao contrário do que pensa Guedes. “Enquanto todos os países estão montando planos de reconstrução nacional, por causa da crise provocada pela pandemia de coronavírus, ele continua no samba de uma nota só de falar de privatização.”

Para ela, ao contrário do que Guedes defende, para crescer e criar empregos o país precisa de investimento público. “Não tem plano B. Ele não consegue sair da caixinha ultraneoliberal em que se enfiou”, critica Miriam.

E ainda vai vender a preço de banana

Além do descaramento de querer vender por um valor menor do que o de mercado, os preços de venda das estatais podem não atingir o que o governo quer como é o caso da Eletrobras.

Pela Lei 10.848 /2004 do governo do ex-presidente Lula, a empresa de energia não pode ser vendida, mas o governo Bolsonaro pretende colocar à venda ações ordinárias (com poder de voto) da Eletrobras e, com isso acabar com o seu controle acionário, hoje em 51%. Outros 20% em ações pertencem ao BNDES.

Segundo o secretário de desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar, a ideia é impor um limite onde nenhum acionista poderá ter mais do que 10% da companhia.

“Impor um limite de 10% não significa que esses acionistas possam se unir em grupos e controlar a empresa. Hoje as quatro maiores empresas de energia do mundo são chinesas. Elas podem comprar cada uma 10% das ações e assumir o controle da energia brasileira”, diz Ikaro Chaves.

Contas de luz mais caras

O dirigente alerta ainda para o aumento do preço da energia que a população vai pagar. Segundo Ikaro, uma Medida Provisória (MP) de Dilma Rousseff, autorizou as hidrelétricas, que já tiveram seu custo de obra pago, a reduzir o valor de R$ 200,00 o megawatss/ hora para R$ 40,00, o que diminuiu o preço pago pelo consumidor nas contas de energia.

“Uma hidrelétrica leva no mínimo 10 anos para ser construída, e depois que seu custo é pago ela tem gastos muito pequenos porque é água que passa por ela, diferente das termoelétricas que precisam de combustíveis para funcionar. Dilma permitiu que o consumidor não pagasse mais pelo custo da obra, barateando a conta de luz. Mas o Projeto de Lei [nº 5.877, que está na Câmara], do governo Bolsonaro, prevê que essas hidrelétricas possam vender energia com o mesmo preço das demais”, diz o engenheiro.

Além dos prejuízos econômicos com a privatização da empresa, o engenheiro  afirma que a Eletrobras pode ajudar a vencer a crise econômica que o país vem passando porque ela tem capacidade e know how para fazer investimentos.

“A Eletrobras pode iniciar grandes obras públicas de longo prazo porque tem dinheiro em caixa. Seu lucro só no passado foi de R$ 10,7 bilhões, e com o seu baixo endividamento pode adquirir empréstimos para mais obras. Tudo tem a ver com planejamento. Hoje há oferta de energia, mas precisamos de energia limpa e a Eletrobras pode construir mais hidrelétricas e sistemas de energias eólicas, que levarão anos a até ficarem prontas. É um investimento público que abriria milhares de vagas de empregos”, acredita Ikaro.

Ala econômica X ala militar

A pressa em vender 12 estatais até o ano que vem escancara mais uma vez a briga entre a equipe econômica de discurso neoliberal e a ala militar que chegou a anunciar o programa Pró-Brasil, de investimento público, justamente ao contrário do que querem os neoliberais, acredita Leda Paulani.

A professora de economia diz que a tensão ficou mais evidente na reunião ministerial de 22 de abril, que se tornou pública por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), depois que o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, acusou Jair Bolsonaro de querer interferir na Polícia Federal.

“Aquela reunião era para discutir a proposta de Braga Neto [ministro chefe da Cassa Civil] do programa ‘Pró-Brasil’, mas o Guedes já chegou chutando e fez um discurso de que a retomada da economia passava pela iniciativa privada. Depois, a reunião mudou de tema e acabou em toda confusão sobre a PF”, lembra Leda Paulani.

“Aparentemente Guedes saiu ganhando em meio à pressão da pandemia, mas Bolsonaro já percebeu que se pretende se reeleger, ter a mínima chance, precisa continuar com programas sociais e estender o auxilio emergencial de R$ 600,00”, avalia Paulani .

Lista de privatizações do governo

Privatizações previstas para o primeiro semestre deste ano: Associação Brasileira Gestora de Fundos (ABGF), Eletrobras , Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasaminas), Companhia de Docas do Espírito Santo (Codesa)

Para o segundo semestre de 2021, o governo pretende vender a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre(Trensurb ), Serviço Federal de Processamento de Dados ( Serpro), a Empresa de Tecnologia de Informações da Previdência (Dataprev), os Correios e Telebrás.

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