Acordos institucionais: Bolsonaro sempre cagou para eles
Eram úteis no momento, para evitar que fosse responsabilizado por seus atos, mas nunca restringiram suas ações subsequentes
Por Luis Felipe Miguel, professor, no facebook
Notas no "Painel" da Folha de S. Paulo relatam que o comitê de campanha de Bolsonaro quer que ele pare de atacar a urna eletrônica. As pesquisas mostrariam que o eleitorado vê, nestes ataques, a manobra de quem sabe que vai perder e quer desacreditar o processo.
É ingenuidade - do comitê ou do jornalista? - colocar a questão desta maneira. Como se, na estratégia atual de Bolsonaro, construir as condições para melar a eleição não fosse mesmo uma prioridade pelo menos tão grande quanto conquistar votos.
Duas páginas antes, uma boa coluna de Bruno Boghossian mostra como Bolsonaro age para fazer do 7 de setembro - a pouco mais de três semanas da eleição - um "esquenta" para o golpe.
Já está convocando manifestações em defesa de "eleições limpas" em todo o país. Pretende repetir, com esperança de obter mais êxito desta vez, o script do 7 de setembro passado.
Chamo a atenção para um parágrafo do texto:
"Para abrir essa etapa, Bolsonaro teve que rasgar de vez o armistício fajuto que havia assinado com o Supremo no ano passado. Na mesma conversa com o SBT, o presidente acusou o ministro Alexandre de Moraes de descumprir um acerto que os dois teriam feito quando o presidente publicou a carta elaborada pelo ex-presidente Michel Temer. Jogo zerado para novos ataques".
Acho que aí temos uma questão importante. Não cabe ao Supremo ou a qualquer de seus ministros buscar armistícios com quem se dispõe a violar a Constituição.
Desde o começo, a política em relação a Bolsonaro sempre foi de apaziguamento. Foram jantares e jantares com os chefes dos poderes, acordos intermediados por Temer, declarações calibradas na imprensa ou em pronunciamentos oficiais, decisões cuidadosamente pesadas.
Sempre em busca do limite: negociar até que ponto o miliciano-em-chefe poderia descumprir a Constituição, sabotar as instituições republicanas, desrespeitar os direitos humanos e desgraçar o país.
Bolsonaro - pardon my French, mas é o adequado para a personagem - sempre cagou para esses acordos. Eram úteis no momento, para evitar que fosse responsabilizado por seus atos, mas nunca restringiram suas ações subsequentes.
Ele tem condições para dar o golpe? Tudo indica que, até o momento, não.
Mas está se movimentando com muita desenvoltura para adquirir estas condições. Tem ampliado o envolvimento da cúpula militar e se esforçado para manter uma base de apoio que seja capaz de fornecer à sua intentona um simulacro de legitimidade popular.
Não cabe alarmismo, mas também não cabe passividade.
Alexandre de Moraes e seus colegas do Supremo não são burros. Eles conseguem ver perfeitamente a movimentação de Bolsonaro. Se não agem para coibi-la, desde já, é por um misto de covardia e descompromisso com a democracia.