Esportes

Valdileia Martins: do MST à Olimpíada de Paris

Atleta assentada do MST igualou o recorde brasileiro no salto com vara e teve suas emoções testadas.


Wagner Carmo/ CBat Valdileia Martins: do MST à Olimpíada de Paris
Atleta assentada do MST foi finalista olímpica e precisou lidar com o luto e a lesão

Quando Valdileia Martins se tornou uma atleta olímpica, suas origens não eram conhecidas por todos. Nem mesmo seu técnico sabia dizer exatamente o local em que a atleta do salto com vara viera. Foi através de uma reportagem que veio à tona a origem de assentada dela, junto ao Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST).

Mas, a omissão não se dava por vergonha do chão em que viera, mas sim, o medo da retaliação em um país que hoje olha os movimentos sociais com o julgo da ojeriza.

Valdileia cresceu no assentamento Pontal do Tigre, em Querência do Norte, no noroeste do Paraná. Naquela época, os sacos de milho com palha de arroz e varas de pescar eram seus instrumentos para treinar, graças ao pai, seu Israel.

Foi este incentivo que fez Valdileia dedicar mais de 20 anos de sua vida ao esporte, até chegar à final olímpica, que ocorreu no último domingo (4). Infelizmente, a medalha não veio para a atleta Sem Terra, que lesionou o tornozelo ao tentar quebrar o recorde brasileiro e saltar 1,95m – recorde este igualado por ela, ao saltar 1,92 m -. Seu Israel, infelizmente, não pôde ver a final da filha ou torcer ainda mais por ela. Na última segunda-feira (29), a notícia que ele havia sofrido um infarto aos 74 anos e morrido a abalou. O maior torcedor se fora, mas os atos dele que levaram Valdileia até lá, permanecerão.

“Foi bem difícil. Na segunda-feira minha irmã me ligou, disse que meu pai tinha falecido”, disse ela com a voz embargada. “Minha família me deu força, minha mãe e meus irmãos estão me assistindo. Vocês são minha força!”.


Veja a nota do MST para Valdileia:

Hoje tivemos a alegria e a honra de ver uma filha de camponeses chegar a uma final olímpica. Apesar de lesionada, Valdileia Martins tentou até o último instante participar da prova final, e mostrou garra e determinação, suas marcas como atleta e como ser humano. 

Valdileia é filha de assentados na comunidade Pontal do Tigre, um dos 10 assentamentos formados em Querência do Norte, conquistados com muita luta de milhares de famílias Sem Terra, durante décadas. Foi nesse contexto rural em que a Leia, como é carinhosamente chamada pela família, deu seus primeiros saltos. 

A vara de pescar e os sacos de milho com a palha de arroz foram seus primeiros equipamentos caseiros, inventados pela criatividade do pai, Seu Israel. 

Foi uma criança Sem Terrinha. Estudou no Colégio Estadual do Campo do Centrão, junto com todas as crianças das comunidades do MST da região noroeste do Paraná. Lá teve muito incentivo de professoras/es e amigas/os. 

Na juventude, passou alguns meses morando na Escola Milton Santos de Agroecologia, o centro de formação do MST localizado em Maringá, cidade na qual pôde ter acesso à estrutura adequada para treinar o atletismo. 

São mais de 20 anos de dedicação e esforço, para chegar a ser uma das finalistas da competição mundial mais importante para essa categoria esportiva. Neste momento único, Leia precisou ser ainda mais forte e passar pela dor da partida do seu pai e grande incentivador, Seu Israel, no último dia 29.  

A trajetória de Valdileia é espelho da luta de tantas brasileiras e brasileiros camponeses, por terra para viver, por respeito, por oportunidades e por vida digna. Por isso, a vitória é celebrada por nós, pelas mulheres, pelas pessoas negras, e por toda a classe trabalhadora que se vê representada nesta história tão valiosa. É tão valiosa, que para nós, é ouro. 

Valdileia, obrigada pelo exemplo e pela inspiração que você é e ainda será para milhares de crianças e adolescentes Sem Terrinha, e para toda a sociedade brasileira. Você é nosso orgulho! 

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Paraná

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