Odorico Carvalho

O Sete de Setembro na minha história

  • terça-feira, 7 de setembro de 2021

Foto: DivulgaçãoDesfile
Desfile


Comecei a tomar conhecido do Sete de Setembro quando minha família mudou de Bocaina para Picos. Eu tinha tido dois ou três meses de aulas particulares e havia aprendido a ler, escrever e a fazer as quatro operações de matemática. Ao chegar a Picos, fiz um teste de nível no Instituto Monsenhor Hipólito, naquele tempo ainda na Av. Getúlio Vargas, e fui classificado para entrar no segundo ano primário. E ali estudei por dois anos.

O Colégio das Irmãs, assim então chamado, tinha tradição de cumprir à risca a legislação brasileira e, ao mesmo tempo, seguia e respeitava as comemorações e festas cívicas e religiosas como acontece com qualquer instituição de ensino que se preze. E foi assim que a história e as datas magnas do nosso país foram sendo incutidas em mim.

O Sete de Setembro, assim como me ensinaram, representava a data da Independência do Brasil do jugo português, o dia em que D. Pedro deu seu brado de Independência ou Morte, às margens do riacho Ipiranga, ladeado por um punhado de soldados e estafetas armados com suas espadas e algumas escopetas. Ou seja: um golpe dado por aquilo que hoje se diria “um Jeep com um soldado e um cabo”. 

O certo é que, sabe-se lá como, aquele gesto repercutiu pelo país inteiro numa época sem os meios de comunicação de hoje e chegou a Portugal de onde partiram as ordens de repressão e luta. Depois de algumas escaramuças ali e até aqui no Piauí, o rompimento de consolidou e a data virou um dia de júbilo e comemoração.

Eu, menino, adorava essa festa. Seja no Colégio das Irmãs ou, depois, no Ginásio Marcos Parente, tudo começava um mês antes com a escolha dos artistas que iriam fazer parte da fanfarra. Cada vaga ali era ferrenhamente disputada. Quem vencia era visto com muito respeito pelos demais colegas. Nunca entrei nem na disputa. Certo é que, depois disso, começavam os ensaios e, nas proximidades do grande dia, a fanfarra encabeçava um enorme cordão de estudantes que, em formação militar, saíam a desfilar pelas ruas. As meninas mais bonitas eventualmente eram selecionadas para balizas: iam bem à frente com seus trejeitos e poses a guiar todo o desfile. Ser baliza era a glória, era ser lembrada dezenas de anos à frente. 

No grande dia, todos nós vestíamos nossas fardas de luxo feitas com tecidos de qualidade, sapatos brilhantes de tão limpos, enchíamos o peito de orgulho e batíamos os pés nos paralelepípedos com fervor e paixão e na cadência perfeita. Viva o Brasil, gritávamos diante dos discursos inflamados do Dr. Fonseca, as pregações do Professor Antônio, Dona Zizi, Dona Célia e tantos outros queridos mestres que tanto se doaram para que aprendêssemos o valor do patriotismo, da liberdade e a importância de tudo aquilo a que damos o nome de nação. Nestas horas, cantar o Hino Nacional era o ápice da emoção e do orgulho.

Hoje, Sete de Setembro, transborda em mim um sentimento de angústia, de decepção, de impotência diante dos descalabros que o país enfrenta e da forma como todos os nossos símbolos de brasilidade foram deturpados. O verde e amarelo na forma como estão sendo usados me enojam. O Hino Nacional virou um emaranhado de frases sem sentido. A liberdade, tão cantada e decantada por mais de um século, virou um estorvo para insanidade de muitos que querem a ditadura e o comando de um Rei Louco. Neste Sete de Setembro não se comemorará a “independência”, mas haverá brados em favor da “dependência”, da ditadura e contra todos os avanços civilizatórios que o país conseguiu às duras penas. 

Para os golpistas saídos de porões infernais, eu replico o que disse Chico Buarque: “Como vai se explicar vendo o céu clarear de repente, impunemente, como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente: apesar de você”.

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