Ensino do século XX para alunos do século XXI: até quando vamos fingir que isso é normal?
A educação brasileira segue presa a um modelo ultrapassado

Vivemos em uma era de avanços tecnológicos exponenciais, conectividade global e transformações sociais intensas. No entanto, quando abrimos as portas da maioria das escolas brasileiras, o que encontramos ainda remete a um cenário do passado. Estruturas rígidas, métodos ultrapassados e uma organização pedagógica que pouco dialoga com as demandas do século XXI. Como questiona Paulo Freire (1996), “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Mas o que a escola tem feito é, em muitos casos, exatamente o contrário: reproduzir fórmulas, silenciar vozes e sufocar a criatividade.
Este artigo convida o leitor a refletir sobre o paradoxo que assombra a educação contemporânea: como formar sujeitos críticos e autônomos em um sistema que ainda opera sob os moldes de uma lógica industrial, disciplinadora e autoritária? Até quando aceitaremos como “normal” um modelo educacional que não dialoga com a vida real?
Um sistema preso ao passado
Embora estejamos em 2025, muitas escolas ainda operam como se fosse 1925. Carteiras enfileiradas, disciplinas fragmentadas, alunos calados e professores exaustos compõem o cenário cotidiano. É como se a escola tivesse parado no tempo, enquanto o mundo ao redor avança a passos largos. Segundo Sir Ken Robinson (2009), um dos maiores especialistas em inovação educacional, “o atual sistema educacional foi concebido para outra era, para servir a uma economia industrial, e está profundamente desatualizado”.
Seguimos ensinando fórmulas sem sentido, decorando datas sem contexto e punindo a criatividade como se fosse desvio de comportamento. O mais grave? Naturalizamos essa realidade. Aceitamos como inevitável um modelo que, na verdade, deveria ser urgentemente transformado. A escola, em sua essência, deveria ser o espaço da liberdade intelectual, da descoberta pessoal, da construção coletiva do saber. Mas o que vemos, em muitos casos, é uma instituição que se assemelha a uma linha de montagem: entra o aluno, sai o número. Entram os rankings, saem os sonhos.
Educadores em colapso
A romantização do professor herói é outro sintoma de um sistema adoecido. Professores são exigidos ao extremo, cobrados por resultados que não dependem apenas deles, pressionados por famílias, ignorados por políticas públicas. E mesmo diante desse cenário, esperam que mudem o mundo com um salário que mal paga o transporte até a escola.
Como afirma Tardif (2002), “os saberes dos professores são múltiplos, mas frequentemente desvalorizados”. Fala-se muito em inovação, mas poucos fornecem as condições para que ela aconteça. Muitos docentes ainda enfrentam salas superlotadas, falta de material básico e nenhuma formação continuada efetiva. Como exigir qualidade quando o sistema não oferece nem o mínimo?
O silêncio dos estudantes
E o estudante? Ele está cansado. Cansado de ser treinado para provas que medem apenas a capacidade de memorização. Cansado de se sentir invisível num currículo que não representa sua identidade, sua cultura, sua realidade. Cansado de um ambiente onde não há espaço para questionar, para propor, para criar.
É preciso lembrar as palavras de Rubem Alves (1984): “O conhecimento que não vem da experiência não é verdadeiro conhecimento”. Mas quantas vezes a escola convida os alunos a experimentar de fato o mundo? Quantas vezes ela abre espaço para o erro, para o pensamento divergente, para o debate? Muito pouco.
A falência do modelo tradicional
O problema não está apenas na metodologia, mas na própria estrutura da escola. A lógica da competição, das notas, das punições e recompensas já não serve para formar cidadãos críticos, empáticos e colaborativos. A sociedade exige competências socioemocionais, pensamento criativo e resolução de problemas complexos — e a escola ainda ensina a decorar definições.
Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a educação básica deve promover uma formação integral, que vá além do conteúdo. No entanto, o que se observa é a permanência de uma “educação bancária”, como já denunciava Paulo Freire, em que o professor deposita informações e o aluno apenas as repete.
Conclusão
A verdade é dura, mas precisa ser dita: a escola brasileira, em muitos lugares, ainda está mais preocupada em domesticar do que em educar. E essa responsabilidade não recai exclusivamente sobre os professores, mas sobre um sistema que sobrevive de paliativos, cortes orçamentários e discursos vazios.
É chegada a hora de romper com esse ciclo. De investir de verdade na educação como prioridade nacional. De valorizar o professor não apenas com aplausos, mas com condições reais de trabalho. De ouvir os estudantes como protagonistas e não como números. De redesenhar o currículo à luz das complexidades do século XXI.
A escola do futuro precisa ser construída hoje. E ela começa com o nosso incômodo, com a nossa inquietação, com a coragem de dizer: isso não está certo.
Como bem escreveu Freire (1996), “ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar”. Que possamos, então, refazer o caminho da educação brasileira — e que esse caminho seja, de fato, transformador.
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