Belluzzo: ameaça à democracia vem do poder do mercado financeiro, não da direita
Para o economista, autonomia do Banco Central e arcabouço fiscal formam uma estrutura que bloqueia políticas de crescimento e favorece o rentismo

Em entrevista ao site Brasil 247, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo afirmou que a principal ameaça à democracia brasileira hoje não se origina de partidos ou lideranças de direita, mas sim do “mandonismo do mercado financeiro” sobre governos eleitos. Segundo ele, esse poder atua de forma difusa, mas extremamente eficaz, por meio da imprensa, das instituições e da lógica predominante na política econômica, restringindo diretamente a margem de ação do governo Lula.
“Essa manifestação do poder dos mercados financeiros sobre um governo eleito” — destacou Belluzzo — não é um fenômeno novo ou exclusivo do Brasil, mas uma característica estrutural do capitalismo contemporâneo. “Essa forma como funciona a economia, esse mandonismo do mercado financeiro, é uma coisa indiscutível”, afirmou. Para o economista, o cerco promovido pela mídia e pelos agentes financeiros molda uma percepção pública que limita o debate e constrange a formulação de políticas públicas. “Eles passam inclusive para a mídia, editoriais, etc.”, acrescentou.
Belluzzo foi categórico ao afirmar que o atual governo, sobretudo sua equipe econômica liderada pelo ministro Fernando Haddad, opera sob forte pressão de uma coalizão de interesses financeiros que bloqueia a adoção de políticas alternativas. “O governo Lula e a sua política econômica estão sitiados pelo poder do mercado financeiro”, afirmou. Na sua avaliação, esse cerco é ainda mais severo do que aquele enfrentado no segundo mandato de Lula, quando, apesar das metas de superávit primário, houve espaço para o investimento público. “A formação bruta de capital chegou a 22% do PIB, hoje está em 17”, recordou.
Entre os principais alvos de sua crítica está a independência do Banco Central, institucionalizada no Brasil com o regime de metas de inflação nos anos 1990. “Em muitos países, na maioria, os bancos centrais estão capturados pelos mercados financeiros”, argumentou Belluzzo, explicando que essa captura se dá pela própria lógica de funcionamento dessas instituições. “Eles acham que o Banco Central, no fundo, tem que responder aos anseios do mercado financeiro. Esse é o ponto central.”
Ao comentar medidas recentes do governo, como o aumento do IOF para compensar a desoneração do Imposto de Renda dos mais pobres, Belluzzo foi incisivo: “Para eles é um crime impor um imposto sobre transações financeiras.” Segundo ele, a reação negativa do mercado a iniciativas de aumento da arrecadação demonstra que não há espaço para políticas redistributivas sem conflito com o sistema financeiro dominante.
O economista também criticou o chamado arcabouço fiscal, que, em sua visão, funciona como uma “prisão” que imobiliza as ações necessárias para impulsionar o crescimento econômico. “Há uma visão extraordinariamente tosca de como funciona a economia monetário-financeira capitalista”, declarou, lamentando a falta de compreensão sobre os circuitos de renda e a interdependência entre os setores produtivos. “É um circuito da renda. Mas não adianta você falar isso, porque eles estão grudados nos parâmetros deles, completamente falsos.”
Belluzzo apontou ainda para o enfraquecimento dos movimentos sociais e sindicais, fator que, segundo ele, reforça a hegemonia do discurso econômico dominante. “Nós temos um recuo dos movimentos sociais, dos sindicatos, etc. Todos os que estariam interessados em romper com essa banalidade cruel. Mas não há movimento”, lamentou. E advertiu: “Sem uma ação política e social, não vai haver solução para esses problemas.”
Por fim, o economista alertou que a submissão às regras impostas pelo mercado financeiro pode abrir caminho para um novo avanço da extrema direita. Ao ser questionado se considera essa submissão a maior ameaça à democracia brasileira hoje, Belluzzo foi direto: “Sim, sem dúvida. Você vai introduzir a barbárie outra vez no Estado brasileiro.”
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