A imagem e semelhança da crise brasileira
O sinal do sarcasmo indefectível não estava mais lá. Sua expressão facial jocosa, o sorriso debochado de quem se jacta por levar vantagem em tudo, conseguir se dar bem e ludibriar o próximo, fora substituído por uma feição abatida, ainda mais pálida do que de costume, assustada e ao mesmo tempo humilhada. A expressão de um derrotado, o olhar petrificado e finos lábios ressequidos. Não fosse toda a maquiagem usada para aparecer diante das câmeras, em cadeia nacional de TV, a face do presidente Jair Bolsonaro estaria desmontada.
Isso aconteceu na noite desta terça-feira (31-3), mesma data do sangrento golpe militar de 1964, em mais um pronunciamento inútil e contraproducente do presidente, a respeito da situação de calamidade nacional provocada pela pandemia da COVID-19. Ao menos, fez um ligeiro recuo, que não durou 12 horas, em sua postura genocida de incentivar ou “liberar”, explicitamente, o retorno das aulas nas escolas e instituições de nível superior, e volta à “vida” – ou morte? – normal, com os trabalhadores retornando ao trabalho, preservando os empregos.
Como se viu, nesta quarta-feira (1º-4), Bolsonaro compartilhou, em sua conta particular, numa das redes sociais mais populares, vídeo no qual um homem culpa os governadores estaduais pelo desabastecimento, e critica o isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Tratava-se de mais uma mentira presidencial, fake news, logo desmascarada por emissora de rádio que constatou, no local, que não havia desabastecimento nenhum na Ceasa de Belo Horizonte (MG), onde o vídeo foi gravado.
Sinal bruxuleante
Ou seja, o sinal bruxuleante de rendição aos fatos, emitido no pronunciamento do dia anterior, logo se evaporou, com o agravante de ter se somado a tantos outros, desastrosos, não apenas na condução, teórica, do País, desde que assumiu a Presidência da República, mas, sobretudo, no decorrer da atual calamidade. Bolsonaro está inviabilizado do ponto de vista político-administrativo e da necessária condição de líder da nação, perdeu, de fato, as condições de governabilidade e só permanece no cargo por razões um tanto misteriosas.
Enquanto perde popularidade, a cada hora, ele ainda conta com o apoio fanático de um segmento minoritário, agora ameaçado de ir à cadeia, caso insista em aglomerar-se vestindo a camisa da CBF e pedindo bobagens, como intervenção militar, fechamento do Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF), etc. O isolamento progressivo do presidente deverá levá-lo à renúncia – a saída menos traumática para o País – ou impeachment, processo demoradíssimo, que, no entanto, poderia ser acelerado mediante consenso.
Como a segunda opção é a menos provável, se aguarda o indefinido e imprevisível desfecho não apenas da crise causada pelo coronavírus, mas do atual regime, enquanto afunda em possível depressão econômica, combinada com o agravamento da situação social, marcada por brutal desigualdade. Colocar Bolsonaro como chefe de estado foi um erro decorrente de um golpe articulado pelas elites brasileiras, que agora não sabem mais como resolver o imensurável problema decorrente de sua ascensão.
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