Pensar Piauí

Quando morre um poeta cantador se apaga uma estrela no sertão: desde ontem o céu brilha menos

Morreu ontem o cantador Valdir Teles, um dos mais respeitados tocadores de viola do repente nordestino

Foto: facebookMariana Teles e Valdir Teles
Mariana Teles e Valdir Teles

Por Oscar de Barros, nordestino e apaixonado por repente e viola

Ontem eu tive razão para ficar mais triste!

Ontem o Nordeste teve razão para ficar mais triste!

O repente de viola – representação máxima da minha cultura, da cultura nordestina - teve uma de suas vozes calada.

E não foi uma voz qualquer!

O nordeste perdeu Valdir Teles.

Eu soube pela mais eficaz ferramenta da comunicação nos dias hoje, o whats ap.

Depois fui verificar no facebook, outra ferramenta atual de comunicação. Era verdade! A filha do poeta, a também poeta Mariana Teles noticiava a morte daquele homem que usou com maestria uma antiga e eficaz forma de comunicação, o repente de viola. Assim, Mariana nos deu a triste notícia:   

"Meu pai é o grande amor da minha vida, jamais vou permitir conjugar qualquer verbo em relação a ele no passado. Meu pai é antes de qualquer outra coisa um cidadão de bem, um pai abnegado, um amigo dos amigos. Sua história na cultura popular dispensa qualquer referência. Era um apaixonado pelo verso de improviso, desses que não se via uma semana sem palco ou pé de parede, redutos onde ele construiu o nome e educou com dignidade quatro filhos.

Mas meu pai foi antes de tudo um grande parceiro meu, um grande amigo. Maior entusiasta das minhas conquistas, aos olhos dele eu sempre fui muito maior. Do seu jeito matuto, saí grandes pérolas de demonstração de afeto sem precedentes.

Meu pai faleceu hoje sem me dizer um único NÃO na vida. Eu precisei ouvir tantos e ainda ouvirei. Mas ele sempre tentava construir o sim e me mostrar os caminhos. Aliás, ser sua filha é a palavra mágica que me abre portas em tantos caminhos.

Meu pai tem um patrimônio incalculável de amigos, por toda parte, todo extremo.

Eu nunca me imaginei escrevendo isso.
Meu pai descansou na Serrinha, na nossa pátria. Onde cresceu, onde me ensinou a amar.

Eu estou em Recife, sem saber com qual coragem chegar na Serrinha ainda. Mas parece que estou vendo ele me dizer: "Deixa se ser mole, menina mole. Parece que só tem coragem na língua."

E não é que eu sou mole mesmo, Painho?

Mas até nisso eu sou tu."

Paraibano de Livramento, no Cariri paraibano, Valdir Teles se tornou órfão de pai aos onze anos, passou a trabalhar para sustentar a mãe e os quatro irmãos mais novos. Trabalhou na agricultura até os 19 anos. Trabalhou nas hidroelétricas de Sobradinho, Itaparica e Paulo Afonso. A arte do repente até 1979, permaneceu mais ou menos latente em Valdir Teles até que aflorou numa cantoria entre Sebastião da Silva e Moacir Laurentino, em São José do Egito. Daí em diante não teria mais volta.

Em 2007 publiquei no jornal O Dia de Teresina e resgato agora uma singela homenagem aos cantadores de viola do nordeste brasileiro.

A benção, cantadores

Aproveitando o acontecimento do recente Festival de Violeiros de Teresina quero registrar neste espaço de O Dia minha verdadeira admiração pelos artistas do improviso, pelos senhores do repente. Arrepio-me, ao ouvir aquele repicar de cordas na viola fazendo o mais nordestinos dos sons. Quase todas as vezes, invarialvelmente, arrepio-me.

A seguir o som das violas, as vozes fortes de nossos cantadores a fazer a melodia perfeita para meus ouvidos. Com o mais profundo respeito às músicas em forma de ópera, às músicas executadas por orquestras e à música popular brasileira, nada é melhor que uma cantoria. Uma cantoria com o céu com teto e com um cafezinho, ou um caldo de carne ou uma cachaça esquentando o frio das madrugadas sertanejas.

O som da viola, a voz dos cantadores e o enredo das toadas sempre dizem respeito a minha vida, afinal de contas, falam do meu lugar. Um lugar que tem noites enluaradas, que tem a tapera de barro (eu nasci numa), por onde correm rios, riachos e meninos livres e soltos nas estradas e nos terreiros. Onde a aurora mostra o orvalho nas mais bonitas floradas.

Lugar onde rezes e alazão pastam logo após o oitão da casa. Ah! A casa dos meus pais. E como diz um dos cantadores: “seria bom, seria bom demais, se eu voltasse a ser criança, pra viver de esperança, lá na casa de meus pais”.

O som das violas, a voz dos cantadores, o enredo nordestino e muita rima que podem vir em sextilhas, galope a beira mar, quadrão perguntado, desafio, mote, martelo agalopado, gabinete, brasil de pai Tomaz e tantas outras formas.

Num momento de protesto contra empresário que diz asneira com o Piauí, também quero protestar. Mas quero protestar rapidamente, porque quero dedicar meu tempo a grandes mestre da nossa cultura. A benção Otacílio Batista, João Furiba, Louro Branco, Sebastião Silva, Oliveiras de Panelas, Ivanildo Vila Nova, Diniz Vitorino, Pedro Bandeira, Geraldo Amâncio, Moacir Laurentino, Cego Aderaldo, Patativa do Assaré, Domingos Fonseca e em nome daqueles que não citei aqui, a benção Zé Viola.

Valdir Teles, sua benção, Deus te receba e obrigado por sua arte.

A seguir um vídeo do you tube de Valdir Teles. No vídeo, exercendo de forma brilhante a função de repórter que tão bem acumulam os repentistas, Teles nos falas do coronavirus e como se proteger (1:16 minutos).

Em seguida na companhia de Zé Viola, Valdir Teles canta "Quando morre um poeta cantador se apaga uma estrela no sertão"

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