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Na cadeia, Monique fala em "plano diabólico" de Jairinho e diz querer ser mãe de novo

Monique Medeiros está presa no Instituto Penal Ismael Sirieiro. Ela é acusada pelo assassinato do filho, Henry

Foto: ReproduçãoMonique Medeiros
Monique Medeiros

Monique Medeiros concedeu sua primeira entrevista depois de ter sido presa acusada do assassinato do filho, Henry Borel. A entrevista exclusiva foi concedida para a coluna Universa, do UOL.

Presa desde 8 de abril no Instituto Penal Ismael Sirieiro, em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, a professora Monique Medeiros Costa e Silva de Almeida, de 32 anos, diz estar escrevendo um livro no qual detalha o "relacionamento abusivo" que viveu com o vereador cassado Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, a quem ela se refere agora como "assassino do meu filho". Ela e o ex-parceiro, que está preso em Bangu, são acusados de envolvimento na morte de Henry Borel, aos 4 anos, dentro do apartamento onde viviam na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio.

O menino chegou ao Hospital Barra D'Or, na madrugada de 8 de março, já sem vida. No corpo havia 23 lesões, todas "produzidas mediante ação violenta", segundo indicou o laudo da necrópsia. A causa da morte foi hemorragia interna e laceração hepática.

Monique conversou nesta segunda-feira (5) com a coluna Universa, ao lado de seu advogado, Lucas Antunes, que interrompia a entrevista a cada pergunta da reportagem sobre os fatos ocorridos na noite da morte da criança. Além da acusação de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, impossibilidade de defesa da vítima e meio cruel), Monique e Jairinho também são acusados de tortura, fraude processual, falsidade ideológica e coação na morte de Henry. As penas podem chegar a 30 anos de prisão para cada um.

Vestida com calça jeans, chinelos e blusa comprida brancos, unhas pintadas e sobrancelhas depiladas - cuidados que ela própria contou ter na cadeia — Monique diz que sua vida "acabou" e nega mais uma vez ter participação na morte de Henry. Ela fala ainda em um "plano diabólico" de Jairinho para tirar a vida de seu filho, conta como tem sido seus dias na cadeia e a relação com outras detentas, revela que quer ser mãe novamente e pensa "até em produção independente".

Confira a entrevista:

UNIVERSA - Como tem sido seus dias na prisão?

Monique - Estou destruída, isso é fato. Destruída pela falta do meu filho, da minha família. Sempre tive um laço muito grande com minha família. Aqui dentro é um lugar de sofrimento, de reflexão, de se apegar a Deus, de autoavaliação e autocrítica, de repensar os erros, a vida, de simplicidade. Hoje eu vivo com quatro blusas, duas calças jeans, chinelo, tomo banho de água gelada todos os dias, vivo num lugar que tem 8 metros quadrados. Então é um lugar de repensar e ver o que realmente importa. Você vê que você pode viver com pouco. Você vive com menos mas não vive sem amor.

Sinto falta de ouvir meu filho gargalhando, andando de patinete, brincando com a cachorrinha dele, pedindo as raspinhas de comida na tigela, dele correndo pela casa, dele pedindo banho de balde. De todos os momentos mais simples que eu vivia com ele. Às vezes o muito não significa nada. Hoje vivo com tão pouco e a única coisa que eu queria era minha família de volta.

No que você tem se agarrado para conviver com essa dor que você diz sentir?

No momento só Deus. E leio muito. Em um mês já li 23 livros. Ontem acabei um sobre Ghandi, li "Família é tudo", do [Fabrício] Carpinejar. Gosto de livros de autoajuda, li "Infâmia", da Ana Maria Machado, "1984", do George Orwell. Gosto de ler e escrever. Então decidi que precisaria escrever meus relatos e que não vou mais me silenciar. Por isso estou escrevendo um livro contando toda a minha história.

Como é a sua rotina agora?

Acordamos às 7h30 com a policial conferindo tudo, tomamos café, almoçamos, jantamos e dormimos. Temos também o banho de sol por duas horas.

Você tem contato com as outras presas?

Então... A mídia me colocou numa situação muito difícil, porque me demonizaram como se eu fosse co-autora dos atos contra meu filho. Não demonizaram o assassino do meu filho [se referindo a Jairinho], mas uma mãe vítima do próprio companheiro. Aliás, travestido de companheiro, porque ele não era meu companheiro. Ele era meu algoz travestido de companheiro.

As presas me julgam muito porque quem está de fora fala que teria tomado outra atitude. Mas você vivendo dentro da situação, será que tomaria uma posição diferente? Será que você conseguiria sair de uma outra forma, de uma pessoa que é acima da impunidade, que tem credibilidade, que conhece todos os políticos, o governador do Estado, todos os milionários da cidade. Quem era eu? Não era ninguém. Não tinha voz.

Quem era a Monique?

Uma professora que a vida inteira foi pautada na educação, porque minha mãe era professora. Fiz muito pela escola, levei inclusive alunos ao Conselho Tutelar para denunciar maus-tratos. Não deixava isso passar. Fiz muita diferença porque na minha profissão a gente vê a transformação do outro. Trabalhava em Senador Camará, em meio a milícia, e fiz a diferença na vida daquelas crianças, de famílias carentes. Nesse ano em 2021 o Jairinho me apresentou ao conselheiro Guaraná [Luiz Antonio Guaraná, conselheiro do Tribunal de Contas do Município] para que eu fosse trabalhar no tribunal de contas porque como era diretora de escola tinha conhecimento de prestação e verba municipal. Comecei a trabalhar no Tribunal de Contas para ganhar R$ 2 mil a mais. Não é verdade que larguei salário de R$ 6 mil para R$ 18 mil. Mas larguei de R$ 6 mil para ganhar R$ 8 mil e isso será provado. Mas as pessoas julgam muito. Ninguém se colocou no meu lugar.

Fui mãe de um filho que o pai [o engenheiro Leniel Borel, pai de Henry] visitava na minha casa aos sábados e domingos. Sempre criei meu filho sozinha da melhor maneira possível. Mas omissa nunca fui e isso vamos provar. Não abandonei em nada com relação ao meu filho. Mas vivi sim uma relação abusiva, com abuso psicológico, violência doméstica. Mas tudo isso veio a partir da morte do meu filho.

Por que uma das mães não denunciou antes [Monique refere-se a ex-parceiras de Jairinho, que denunciaram atos de violência contra seus filhos na época em que se relacionaram com o ex-vereador]? Esperaram meu filho morrer para que elas começassem a denunciar torturas e maus tratos que as crianças delas viviam. Por que a ex-esposa dele não disse antes que sofria violência doméstica?

Já que meu filho falava tanto para meu ex-marido por que ele não teve participação omissiva? Ou mesmo a babá, já que quem tava cuidando do meu filho era ela? Por que me demonizaram ao invés de colocarem tudo em pratos limpos?

Menti no primeiro depoimento porque fui induzida ao erro por um advogado não constituído por mim. O meu ex-companheiro me orientou daquela forma porque dizia que teria que ter um advogado para o casal e a partir do momento que pude ter meus advogados, por que não quis me ouvir de novo?

Então por que, desde o início, você aceitou?

[O advogado interrompe a entrevista e não deixa Monique responder.]

Está tendo algum acompanhamento psicológico?

Não. Eu tinha acompanhamento psiquiátrico lá fora. Assim que meu filho morreu tomava antidepressivo e ansiolítico, mas aqui não tomo nem tenho acompanhamento.

Você queria ser mãe?

Sim. Meu filho sempre foi muito desejado. Queria ter família grande, ter seis filhos. Não planejava separar também até porque venho de uma família cristã, e o processo de separação foi muito dolorido. Desde que meu filho nasceu meu marido só voltava para casa aos sábados e domingos e por isso meu filho dormia comigo, e passei a falar para o Leniel dormir numa cama de solteiro quando nos visitava. Eu transferi todo o amor que eu tinha por ele para meu filho.

Você sente medo?

Quando você convive com a morte, não tem mais medo. E convivo com ela todos os dias lembrando do meu filho. Eu não convivo com a vida, mas com o sofrimento, com o arrependimento, com a tristeza, com sentimentos que eu acho que poderia ter evitado se pudesse ter previsto o que poderia ter acontecido na minha vida. Se alguém tivesse denunciado ele antes, falado dos comportamentos inadequados dele com crianças, talvez meu filho não tivesse pago um alto preço, porque justiça não existe no meu caso. Meu filho não volta mais, mesmo sendo absolvida ou ficando presa pra sempre. Não vou ter mais como sair daqui e encontrar meu filho. Ele enterrou meu filho e todos os meus sonhos juntos. Foi isso que ele fez. [referindo-se a Jairinho].

Você conheceu alguma presa numa situação parecida com a sua?

Tem. Bem parecida. Ela viveu relacionamento abusivo e foi indiciada por assassinar o filho do marido, mas é injustiçada também. A gente vê muita gente aqui inocente sim. Muitas presas também são culpadas também, mas eu mesma fui sentenciada antes de entrar aqui. As pessoas me condenaram como se eu tivesse sido uma pessoa ruim. E a parte do Jairinho, as traições dele, as torturas a outras crianças? Eu não tive uma conduta ruim igual ele teve. E por que o lado dele não foi mostrado? Porque a gente vive numa sociedade em que as mulheres não têm voz. Todas as vidas importam, mas a gente não tem voz. A sociedade julga as mulheres. Me julgaram como se eu fosse um demônio, e as pessoas não falam do assassino do meu filho. Só falam de mim. Eu fiz muito pelo meu filho e isso vai ser provado. Tudo será desmascarado. Não tive tempo para falar porque criaram uma estrutura midiática em torno do que poderia ser.

Você se refere ao Jairo como o assassino do seu filho. Então você acredita que o Jairo matou o seu filho?

Sim. Acredito que ele matou o meu filho. Hoje eu acredito. Eu entrei aqui achando que ele era inocente e comecei a ouvir das presas que eu era assassina, era pior do que ele, que era a mãe e deveria ter protegido o meu filho, que deveria ter feito um escândalo. Cada uma teria feito de uma forma diferente. Então comecei a enxergar o que eu tinha feito de errado, onde tinha errado. Eu errei em não acreditar que um vereador bem sucedido, médico, que tem família estruturada, ia se sujeitar a fazer uma coisa dessa com uma criança indefesa dormindo. Como poderia imaginar que ele inha um plano tão diabólico, de tirar o meu filho de mim pra que não tivesse empecilho entre eu e ele? Isso eu percebi aqui. Eu achava que era crise de ciúme da parte dele, mas matar alguém é uma coisa completamente diferente. Você prever isso é diferente. E isso enxerguei aqui com outras pessoas dizendo que viveram situações semelhantes.

Você tem apoio da sua família?

Toda a minha família segue ao meu lado. Todos os meus familiares se juntaram para pagar meus advogados. Cada membro da minha família porque todo mundo sabe exatamente quem eu fui. Espero que eu possa um dia mostrar quem eu sou. Sou uma pessoa boa, carismática, um pouco recatada, tenho dificuldade de me expressar às vezes, muito pacífica e tranquila. Nunca tive problema com professor.

Eles te visitam?

Ainda não, por questões burocráticas. Meu irmão somente agora conseguiu autorização. Minha família hoje são meus advogados, os policiais que trabalham aqui e a diretora do presídio. Às vezes quero dar um abraço em alguém mas não posso. Sinto muita falta desse contato físico.

Qual o momento mais desesperador?

Às vezes acho que vou sair daqui e encontrar meu filho lá fora me esperando. Minha mãe perguntou se podia dar as roupas dele mas não consigo pensar nisso. Hoje faço propósito de oração para perdoar quem machucou meu filho tanto, e ser perdoada também.

Você estava vivendo uma vida de conforto, era vaidosa, estava sempre fazendo unhas e cabelo, e hoje está num presídio. Isso mexe com o seu psicológico também? O que vê quando se olha no espelho?

Não tenho nem espelho. Então nem me olho. E não me faz falta me olhar no espelho porque não tem sentido. Minha vida perdeu um pouco o sentido. Convivo com a morte todos os dias. Não me importo de ter uma vida melhor ou não. Perdeu todo o sentido. Sempre fui vaidosa, sempre gostei de me cuidar, ir à academia. Hoje não tem importância. O que mais sinto saudade não é do salão de beleza, mas da minha casa.

O Jairinho te cobrava estar sempre bem?

Sim. Eu tinha que ter um comportamento padrão.

Por isso você foi ao salão depois do enterro do seu filho?

Sim. Eu estava tentando arrancar meu cabelo? [O advogado interrompe Monique e a impede de continuar respondendo].

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