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Filho de casal transexual, Apolo será amamentado pelo pai e pela mãe

Lourenzo já está amamentando bebê, e Isis está tomando hormônios e seguindo orientações médicas para também tentar amamentar em breve

Foto: MetrópolesLourenzo Gabriel, Isis Broken e Apolo
Lourenzo Gabriel, Isis Broken e Apolo

metrópoles - No aconchego do lar em Carapicuíba, na região metropolitana de São Paulo, os papais transexuais Lourenzo Gabriel, 23 anos, e Isis Broken, 27 anos, agora estão podem curtir uma maternidade longe das violências transfóbicas que sofreram durante a gestação de Apolo.

“O pior já passou eu acho, nosso foco agora é Apolo, e, depois, quando a gente sair”, disse a mamãe Isis sentindo uma mistura de alívio e preocupação.

Voltando à segurança que o lar os garante, os papais de primeira viagem curtem o imóvel de cinco cômodos, mobiliado com móveis de segunda mão dados pela mãe de Lourenzo.

A casa também conta com os presentes de celebridades, como Tainá Muller. O berço portátil foi enviado por Bruno Gagliasso e está para chegar uma cômoda garantida por Matheus Mazzafera.

O quarto de Apolo é branco e verde e tem bichinhos de pelúcia. Mas o destaque fica para os cavalos-marinhos, animais que são considerados na comunidade LGBTQ+ símbolo da gravidez de homens trans, pois são os machos da espécie que gestam os filhotes.

Grande família

Na parte de cima do imóvel, moram a mãe de Lourenzo, Fabiana, e o padrasto Pedro. O tio do jovem também reside no mesmo quintal e sempre está por perto para ajudar em tarefas como instalar prateleiras. O cachorrinho Dominique faz companhia para os moradores das três casas.

“Aqui não tem briga não. É uma grande família. A mãe de Lourenzo adora minhas músicas. Ela ouve até aquelas que eu falo sobre matar policiais”, disse Isis ao comentar sobre a sogra e contando que o padrasto de Lourenzo é sargento aposentado da Polícia Militar.

“Ele nos defende muito. Se tem alguém, preconceituoso o rolê não fica legal”, contou sobre o Pedro enfrentar as pessoas para defender o casal trans.

“Uma pessoa preconceituosa” e essa posição firme do padrasto foram os motivos da família cancelar o plano de passar o Natal no sítio da bisavô de Apolo, agora cogitam ir para Itanhaém.

Papai amamenta

Como o recém-nascido Apolo quase não chora, a tranquila casa dos papais de primeira viagem só se agita um pouco nos momentos de troca de fralda e na hora de dar mamar.

Lourenzo retira o leite materno e oferece em uma mamadeira ao bebê, que tem a amamentação complementada com fórmula infantil. “Estou tentando, não está sendo fácil”, contou o papai.

Ele está enfrentando as dificuldades comuns da amamentação, como dores, e ainda a disforia corporal, que no caso dele é a dificuldade em lidar com os seios femininos.

“Não me sinto confortável com os meus seios, mas eu não sentia vontade de fazer cirurgia. Mas com a gravidez eles aumentaram e começou a me incomodar”, disse o homem trans.

Quando engravidou Lourenzo não estava tomando testosterona, mas já tinha feito a terapia hormonal por três anos para afirmar características físicas masculinas.

“As pessoas me viam da forma como eu me reconheço. Ver o meu corpo voltando ao que era antes da hormonização foi um processo para reentender meu lugar, meu corpo”, disse.

No entanto, ele mesmo ponderou que se trata de uma fase. “Foi um processo necessário que teve que acontecer para ele nascer. Posso voltar a tomar hormônio e meu corpo vai voltar ao que era antes”, afirmou o papai.

Amamentação travesti

Já a mamãe Isis está se preparando e tem a expectativa de conseguir amamentar o filho daqui um mês. Seguindo as orientações do ginecologista e obstetra Emmanuel Nasser, ela está tomando hormônios para que seu corpo gere dutos mamários.

O protocolo médico inclui exercícios fisioterapêuticos, e, caso essa não dê certo nesse momento, uma nova tentativa será feita em seis meses.

“Fico olhando e pensando: ‘Ai meu Deus, é meu filho’. Nunca imaginei que eu iria ter um filho, sou travesti e sempre caía em um lugar de fetichização. O sexo travesti é visto como fetiche, não como reprodução”, contou a cantora.

Passeios infantis

Por ter sofrido transfobia durante toda a gestação de Apolo, incluindo aos oitos meses quando o casal trans teve que fugir para não ser agredido fisicamente por um motorista de aplicativo, Isis teme o que pode acontecer quando a família começar a fazer os passeios infantis tradicionais.

“Me preocupo em estarmos passeando e alguém me perguntar se é meu sobrinho, não me colocar no lugar de mãe, não acreditar que eu sou uma mãe”, afirmou.

Idade escolar

A mamãe acredita que todas as violências que sofreram durante a gravidez foram uma preparação para dificuldades que ainda vão enfrentar quando Apolo estiver maior.

“Quando ele saiu, eu me dei conta que tudo o que a gente viveu foi um processo necessário para o que ainda vem. Essas coisas externas vão mexer muito com ele”, disse Isis.

Apolo tem menos de um mês de vida e Isis também já está preocupada com o filho sofrer transfobia na escola. “Imagina essa criança indo para a escola? Eu sofri muito bullying na escola por ser uma criança afeminada e fico imaginando como vai ser para ele que tem dois pais trans.”

Sustento

Além de ter pais trans, Apolo também nasceu em uma família de artistas: Isis é cantora e Lourenzo é músico e produtor musical. Ter condições financeiras para sustentar a criança é mais um motivo de apreensão para a mamãe.

O papai também se aflige com o dinheiro, mas sempre tenta equilibrar a ansiedade do casal. “O que acontece agora define o futuro. Se eu me preocupar com o futuro, eu não vou viver o agora”, disse Lourenzo fazendo um contra-ponto a angústia de Isis.

De qualquer maneira, Isis já voltou ao trabalho em 15/12 participando da apresentação do Music Video Festival Awards 2021, no Museu da Imagem e do Som de São Paulo. A cantora também concorreu na categoria Melhor Videoclipe Nacional Envolvendo Diversidade e Inclusão – Escolha do Público, com o clipe de “Ararinha da Viola”.

Em 18/12, a artista também se apresentou em São Paulo na festa independente Mamba Negra.

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