Pensar Piauí

Bolsonaro, Guedes, gás de cozinha e a democracia

Para os ultraliberais, a democracia é um problema.

Foto: ReproduçãoJair Bolsonaro e Paulo Guedes
Jair Bolsonaro e Paulo Guedes


Por Luís Felipe Miguel, professor, no Facebook 

A história é que Bolsonaro, no começo do ano passado, pediu a Guedes para diminuir o preço do gás - para ver se ganhava uns votos. Guedes disse que interferir na Petrobras afetaria a empresa, o governo e traria um efeito cascata. E explicou: "Não dá para agradar pobre toda hora. Se você agrada pobre, desagrada o rico e quem manda no país é o rico". Bolsonaro concordou.

Agora, Lula cumpriu sua promessa de campanha e baixou o preço do gás - sem nenhum dos efeitos negativos que Guedes anunciara. Bolsonaro ficou puto e chamou seu ex-"posto Ipiranga" às falas.
Parece que a conversa, via zap, foi áspera. Cobrado por Bolsonaro, Guedes teria reagido: "Desapega". Daí trocaram alguns palavrões e, no final, Guedes bloqueou o número do seu ex-chefe.

O mais interessante é que Guedes disse, para Bolsonaro, algo que é bem sincero. Para os ultraliberais, a democracia é um problema. Ela obriga a levar em consideração os interesses dos dominados: a classes trabalhadora, os pobres, as periferias, as mulheres, a população negra. Afinal, foi por pressão destes grupos que a democracia se estabeleceu - ela sempre foi um projeto popular.
Isto já está nos gregos antigos, que definiam a democracia como "o governo dos pobres". Não é exatamente isso, claro - os ricos e poderosos sabem usar muito bem seus recursos para garantir uma influência desproporcional nas decisões públicas. Mas a pressão dos dominados gerou um sistema em que sua voz tem como ser ouvida.

A classe dominante tenta fazer com que essa voz perca relevância. São mil pressões, manipulações ou mesmo manobras como dotar de "independência" alguns órgãos cruciais do governo, como o Banco Central (uma "independência" em relação à vontade popular).

Os regimes que eles preferem são como a Itália de Mussolini ou o Chile de Pinochet (ao qual, aliás, o jovem Paulo Guedes serviu). Autores como Hayek, Friedman, Mises ou Nozick manifestavam abertamente sua repulsa à democracia e defendiam a necessidade de limitá-la. Hayek chegou a propor uma constituição em que o direito de voto vem aos 40 anos e é exercido uma única vez...

Mesmo com seus vieses e limitações, a democracia dá ao povo a chance de desorganizar o jogo das elites. Obriga que os políticos ao menos finjam interesse pelas maiorias. E permite que o povo premie quem atende melhor às suas necessidades.
Por isso, a democracia é uma bandeira central para a esquerda.

A democracia que temos é muito inferior àquela com que sonhamos. A submissão ao capitalismo, o peso do dinheiro, a manipulação da informação, tudo isso enviesa seus resultados. Ainda assim, ela é um avanço - e cabe a nós lutar para aprimorá-la.

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