Pensar Piauí
Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

Antonio José Medeiros

Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

Podemos aprender com estas eleições mais do que com a Covid?

Foto: Montagem Pensar PiauíEleições
Eleições

 

O Brasil não é para amadores...  Mas o Brasil não é também para especialistas; estes veem a parte e embaralham o todo. O Brasil é muito complexo, complicado porque é misturado. A “grande e verdadeira pesquisa” das eleições de 2 de outubro nos mostrou isso mais uma vez. O problema é de todos nós brasileiros e brasileiras, e não apenas de institutos de opinião. Você concorda, meu respeitado e querido amigo Batista Teles?

É claro que as teorizações e os estudos empíricos e históricos podem nos ajudar: economia, sociologia, politologia, história, geografia e também antropologia, psicologia e até a psicanálise. Mas o verdadeiro aprendizado só é eficaz culturalmente se representar o amadurecimento de uma parcela considerável da população na capacidade de debater e “criar consensos respeitando as divergências”, num espaço público (ver Jurgen Habermas e Hannah Arendt).

No auge da pandemia do Covid 19, muita gente (inclusive eu) pensava que o susto, a tragédia, a demora ajudariam a humanidade a ser mais humana. Acho que mudou pouco, embora quase todos nós tenhamos vivido experiências significativas de medo, de dor e de solidão-meditação.

O espetáculo e o desempenho real do governo Bolsonaro provocaram experiências fortes que mexeram com a gente. Destaco o 7 de setembro de 2021, a hiperinflação permanente de fakenews e várias performances espontâneas ou ensaiadas do Presidente. 

Esse clima perpassou toda a campanha e continua com força nesse 2º turno. Nossa experiência não pode se esgotar numa reação de raiva ou mesmo de ódio; tampouco de menosprezo. 

Compartilho duas reflexões para contribuir na percepção do que está em jogo. Primeira: o bolsonarismo difuso ganhou expressão político-institucional; vai continuar tendo forte presença na vida política brasileira. Ora, uma coisa é o bolsonarismo com Bolsonaro na presidência e outra coisa é enfrentar o bolsonarismo com Bolsonaro derrotado eleitoralmente. Esse é o ponto: é derrotar ou derrotar. Vamos à vitória do Lula!

Segunda: o enfrentamento do bolsonarismo como extrema-direita exige uma mudança nas relações entre a política programática de esquerda e centro-esquerda com as outras forças políticas não-programáticas, em geral fisiológicas-clientelistas e oportunistas. É preciso ir além da simples governabilidade; é preciso articular melhor estado, mercado e sociedade, através de partidos e movimentos. 

É Projeto contra Projeto – essa expressão está sendo usada pelos dois lados. Começa a entrar na linguagem de setores mais amplos, além dos politizados e ideologizados, o que é bom. Não de trata do Bem contra o Mal, mas de perspectivas diferentes de médio e longo prazo para o povo brasileiro num mundo globalizado.

Mas voltemos ao enfrentamento do bolsonarismo. Com uma vitória do Lula, ele vai implodir. O aluguel do PL tem condições/tempo marcados: ser governo. Valdemar Costa Neto, dono do PL, é mais matreiro que Gustavo Bebiano (falecido) e Luciano Bivar, donos do PSL, pelo qual o Bolsonaro se elegeu em 2018.

Os outros partidos que compõem o Centrão, tendo como referência principal o PP, são de direita não-extrema. Vão pressionar e cortejar o governo Lula. A grande batalha deles vai ser pelo controle do orçamento. Não tanto para bloquear a entrada do povo no orçamento, mas para controlar o modus operandi de forma fisiológica-clientelista. Esse debate tem que ser publicizado em linguagem clara; só o nome “orçamento secreto” não dá conta.

Voltar às políticas públicas de estado; ao fortalecimento e à ampliação dos Sistemas Nacionais de Política Pública (FPE e FPM, FUNDEB, SUS, SUAS, Segurança, Cultura, Agricultura Familiar). E aqui voltamos ao tipo de relação com a frente democrática que ainda está em estado embrionário, que vai da esquerda à centro-direita, em especial com os politicamente liberais e os tecnicamente modernizadores. As federações PT-PCdoB-PV e Rede-PSOL ajudam. A coligação nacional com PSB, Solidariedade, Avante PROS também podem ajiudar.

O Projeto ou é nacional ou não vinga. E articula crescimento e distribuição de renda, ecologia e diversidade ou não tem condições para sedimentar o arco de forças que está se formando. Cada partido tem legitimidade para buscar seu fortalecimento, mas a lógica das federações, das coligações e das alianças tem de funcionar, visível e assumida por lideranças, militantes, filiados, simpatizantes e cidadãos/cidadãs-eleitores/eleitoras.

Algumas temáticas precisam ser explicitadas para o Projeto ganhar cara e corpo.  Não pode ser o tripé meta de inflação, superavit fiscal e câmbio flutuante. Dez a quinze metas discutidas pelo maior número de pessoas, na definição e no acompanhamento. Tem que entrar meta de crescimento do PIB, renda mínima cidadã, meta de criação de empregos, salário mínimo acima da inflação, escola em tempo integral, política ambiental (Amazônia incluída), reforma tributária distributiva (várias taxas de imposto de renda e taxação de grandes fortunas), sustentabilidade da previdência, efetividade do SUS, matriz energética e combustíveis, políticas compensatórias contra preconceitos e discriminações históricas, inserção soberana  internacional (BRICS, G20). etc.

Talvez não haja consenso mais amplo em torno de alguns pontos importantes: tamanho e papel do estado, lugar do capital financeiro, democratização da mídia. E paralelamente corre a redefinição do lugar e papel da Forças Armadas.

Lula tem visão ampla. Várias lideranças estão se aproximando. Qual o destino de quadros competentes do PSDB? Como envolver o Ciro Gomes no pós-eleição? Nada de retórica. Propostas concretas massificadas. Vamos então aprender mais do que com a Covid.
 

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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