Pensar Piauí
Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

Antonio José Medeiros

Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

Francisca Trindade - um futuro interrompido

Foto: DivulgaçãoFrancisca Trindade
Francisca Trindade

Hoje, dia 27 de julho de 2023 fazem 20 anos que a Francisca Trindade partiu. 
O Tempo passa rápido. Apesar de lugar comum, essa sensação em muitos de nós é real. É que as recordações da convivência com a Trindade são muito fortes. Parece que foi ontem.
Uma jovem das classes populares, mulher, negra, bonita e... brilhante. Formada nas Comunidades de Base e na Pastoral da Juventude do Meio Popular, nos marcantes anos 1980, construiu uma belíssima trajetória. 
A redemocratização que então o Brasil vivia se fez mais democrática pela presença das classes populares. E Trindade foi uma das grandes protagonistas nesse processo, no Piauí.
Sempre perto da base, a partir da sua Água Mineral. Sua liderança, que foi se tornando carismática, a levou para os bairros mais pobres de Teresina, para as associações de moradores que surgiam em todo o Piauí e de onde nasceu a FAMCC – Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários.
Teve interesse e oportunidade de cuidar de sua formação intelectual e política. Cursos no Piauí e fora do Piauí. Participou inclusive da criação da Central Nacional de Movimentos Populares. Sem deixar o vínculo espontâneo e assumido com a realidade vivida pelo povo, inseriu-se no momento histórico nacional.
Na vida política, seu caminho natural era o PT. E ela chegou para a alegria de todos nós, mantendo a unidade na diversidade.
Chegou o tempo de convidá-la (pressioná-la) para participar também da política institucional. Era voz geral, dentro e fora do PT. Lembro-me bem. Sofreu um acidente de moto e ficou um bom tempo no HGV, com “aqueles ferros na perna”. Fui também lá conversar com ela: “a hora é agora!”. A resposta veio natural: “não tenho condições, nessa situação em que estou”. Respondi: “Muita gente vai se envolver e suprir as condições.” E Trindade ficou como primeira suplente do Wellington Dias, eleito vereador de Teresina em 1992. Quando o Wellington foi eleito deputado estadual (1994) ela assumiu o mandato na Câmara Municipal e foi reeleita em 1996. Aí foi sua vez de ficar só até a metade do mandato e se eleger deputada estadual em 1998. 
Em 2002, foi eleita deputada federal. Não foi simplesmente a continuação de uma trajetória (não cabe a palavra “carreira”) política. Ter 165.000 votos naquela época – acho que mesmo em termos absolutos, esse número ainda não foi ultrapassado, nos 20 anos depois – foi uma autêntica manifestação de apoio popular. O carisma consolidou-se. Trindade era uma militante política e nunca deixou de ser uma militante social. Com esta dimensão, era referência não só partidária.  E tinha consciência de seu papel.
Muito mais se poderia lembrar da Trindade, em seus 37 anos de vida. Mas desde que ela partiu - não sei se pela maneira tão inesperada – quando me lembro da Trindade, penso mais no futuro - futuro dela, do PT e da política piauiense e brasileira.
Tínhamos quase certeza que seria nossa prefeita de Teresina, prefeita que o PT até o momento não teve.
Sabíamos também que Trindade ocuparia um lugar de importância na política estadual, talvez nacional. O Lula sempre lembra dela e esteve aqui em Teresina no seu velório.
Pairava a expectativa: como a Trindade vai lidar com as funções de gestora pública? Experiências estavam sendo tentadas em vários lugares do Brasil. Qual seria a sua marca?
Trindade ainda viveu a experiência da coligação com o PL, manifestando sua resistência. Ainda hoje, literalmente, somos desafiados pela tal governabilidade, como dizemos, ou o “toma lá dá cá” como o povo diz. 
Conversamos alguma vezes sobre isso: alianças são necessárias, mas não se pode esquecer um Programa Político. Crescer eleitoralmente é necessário, mas Trindade insistia até me criticando: sem organização, luta e mobilização das classes populares nossa força não tem consistência. São 20 anos; dá para pensar. Por que deu Bolsonaro? Por que o Centrão está é mais forte? 
Teria ido para o PSOL, em 2004? E em relação a certas ambiguidades e descaminhos de uma política que joga pesado e sem constrangimentos, o que teria dito e que decisões teria tomado nossa Trindade? Que forças teria reunido no Piauí para manter certos posicionamentos no PT?
Nessa imaginação do futuro – que hoje é passado - algumas perguntas não querem calar, mesmo numa hora de saudade e de homenagem. Fazer essas perguntas é manter o “espírito Trindade”.
De uma coisa estou seguro: a Trindade jamais deixaria o lado certo da história, da esquerda, das classes populares.
Fica a lembrança, a saudade, o respeito, o carinho. Se vier o choro, que seja também bem-vindo. 
Trindade VIVE!

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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