Uma conversa e muitos Eu's: a luz é revolucionária
Já são 02:34 da manhã. Conversa com Bial acabou há pouco. Na madrugada dessa quarta-feira senti vontade de retornar a escrita para tratar especificamente desse programa que teve William Bonner como entrevistado.
Dentre tantas coisas que foram ditas, me chamou muita atenção os recortes feitos pela equipe do Bial do quadro que fez com Bonner à época das eleições de 2006, período que eles e outros jornalistas da emissora viajavam para várias cidades do país e eram recebidos com festa nas coberturas ao vivo no meio do povo eufórico com as eleições daquele ano.
Por um momento eu achei que eles iam dizer: Que saudades dos tempos do governo Lula! (rsrsrs).
Obviamente que não disseram, mas ficou muito nítido o saudosismo da primeira década do século XXI, do entrevistador e do entrevistado. Saudosismo transparente nos gestos e nas falas.
Diante da lembrança desses dois homens, reconhecidos por notáveis competências, me permiti também a pensar que eles mesmos fossem co-responsáveis pela perda dos seus próprios prazeres simples do cotidiano, como o de ir comer um pão na chapa quentinho na padaria, como disse Bonner sentir falta. Ao apoiarem o golpe de 2016 que tirou a Presidenta Dilma Rousseff do poder, junto com o grupo que fazem parte, não colocaram nos cálculos que iriam fortalecer o fundamentalismo da turma do ódio, penso eu.
Nessa conversa eu vi dois profissionais de um grupo poderoso que ajudou a criar um monstro junto com seus seguidores fanáticos, os quais tornaram um inferno qualquer cobertura pública da ex livre imprensa. Um “ao vivo” da rede Globo que tinha ao fundo pessoas com plaquinhas de “mãe tô na Globo” ficou inviável diante de tantos gritos e linchadores. A plaquinha “mãe tô na Globo” foi substituída pela plaquinha com a hashtag “Globolixo”, não interessando a esses violentos seres humanos cheios de verdades se ali na frente da câmara tinha um trabalhador, um profissional, um ser humano.
Quem conhecia minimamente a Constituição Federal e os caminhos da democracia pós-1988 sabia bem que as consequências do golpe de 2016 seriam danosas para a democracia. O jornalismo da Globo sabia disso, embora não tenha mensurado a proporção do estrago.
Lembro que na época o grupo foi além da função de informar e assumiu um papel relevante para o êxito do golpe.
A partir de 2016 o radicalismo ganhou mais força para não aceitar o resultado das urnas das eleições de 2014, por conta das gravíssimas pedaladinhas do governo Dilma.
Associado ao apoio explícito da grande rede de comunicação, contamos com a atmosfera macabra do negacionismo nas redes sociais, indo contra todos que ousavam defender o conhecimento e a ciência.
O golpe contribuiu para figuras como Olavo de Carvalho ter mais visibilidade, este que ministrou didaticamente conteúdos recheados de negação ao conhecimento, mentira e ódio às minorias, conteúdos mastigadinhos para milhares de robôs virtuais e humanos.
Os robôs de carne e osso caíram como um patinho nos discursos do pseudofilósofo, por desconhecimento, ignorância e/ou por maldade.
Milhões deles achando que os vídeos didáticos do pseudofilósofo que tinham em mãos era o que tinha de mais atual. E que aquele primo formado agora não passava de um grande otário no grupo da família. Afinal o primo olavista agora era quem passava em primeira mão as informações no grupo. Nem precisava ler nada, estava tudo em vídeo de poucos minutos e até segundos.
Por falar nesse primo olavista, ele não é um meu especificamente, ele não é um, ele é mil, talvez milhões. Ele é um tipo bem familiar, ele é tão presente que eu deixo ele aparecer no final desse meu texto:
- Referências bibliográficas? livros? bibliotecas? arte? cultura? Pra quê?
- O tempo da enciclopédia passou. Na internet tem tudo pow.
- Tá em dúvida sobre a mamadeira fálica e o kit gay nas escolas das nossas crianças?
- Deixa só eu te mostrar esse vídeo bem aqui que passa.
- Olha aí... Tá tudo aí na internet...
E assim... milhões de indecisos, com estudos ou não, foram de fato acreditando que as famílias correriam riscos com as mamadeiras fálicas e kits gays inventados para a esquerda.
E assim... o movimento global negacionista e fascista de extrema-direita se expandiu e ainda permanece no Brasil.
O negacionismo ainda vence.
Duvidar do conhecimento é salutar para manter o primo olavista menos ignorante do que o primo diplomado:
- Não é só porque eu não estudei que eu não sei, né?
- Afinal nem todo conhecimento se encontra nos livros dos homens. Pra saber como era o tempo da ditadura basta ouvir o nosso tiozão que viveu na época. Ele sabe muito mais do que os professores de História que estudaram autores esquerdistas. Nosso tio disse que só morriam bandidos e baderneiros. Agora se a pessoa quer defender bandido aí não é mais com a gente, né? De que lado tu quer ficar? Dos vagabundos ou dos cidadãos de bem?
- Ademais eu tenho internet e tenho fontes confiáveis.
- O jornalismo da Globo mente. Não é confiável.
- A OMS é comprada pela China.
- O Phd Átila Iamarino é um alarmista irresponsável, o maior torcedor do vírus.
- A Globo quer adoecer as pessoas e derrubar o presidente, toda hora atualiza o número de mortes pelo covid-19, não fala nada dos curados, grande maioria.
Assustador tudo isso? Sim, mas quem busca o conhecimento e o defende, jamais pode desistir de lutar, não podemos parar de sonhar com o retorno de dias de “paz”.
De acreditar que os ventos da tolerância voltem a soprar novamente em nosso país e com ele Bonner possa voltar a comer o seu pãozinho na chapa na padaria, bem como todos os jornalistas possam não temer fazer seu trabalho nas ruas.
Estamos em tempos sombrios sim, mas eles coexistem com os raios de sol. É preciso prestar atenção nesses raios e entender que a luz é revolucionária, e quando a gente menos esperar ela vai ser maior do que toda a sombra. O Brasil vai ser ser feliz de novo!
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