O que se viu, em São Bernardo, foi o emergir de um gigante, uma fênix a explodir das cinzas, a se recriar para assombro de seus algozes
De abril do ano passado, quando Lula foi preso, até agora, a roda da história girou para trás e, nesse giro assustador, ela foi esmagando direitos, sonhos, conquistas civilizatórias, as vidas de seres humanos nas filas dos hospitais, a democracia, a convivência pacífica entre as pessoas, só para citar alguns fatos.
Ao entrar em casa pela primeira vez depois de 580 dias, mesmo já estando pronto para um novo recomeço, será impossível que Lula não lembre de Dona Marisa, a dama discreta que, do próprio punho, costurou a primeira bandeira do PT e que foi sua companheira fiel por décadas. A pessoa que, na saúde e na doença, cuidou-lhe da alma e do corpo. Ainda está a minha cabeça a foto dela ao fazer a barba rala de Lula na sua difícil luta contra o câncer. Marisa foi a primeira vítima a tombar diante da força avassaladora da perseguição judicial à família.
Acredito que Lula fará uma viagem ao passado, já tão distante, mas repetido de forma impressionantemente idêntica: o momento em que, preso pela ditadura por defender os trabalhadores, perdeu a mãe sem que pudesse dar-lhe o conforto de um último abraço. E teve que assistir ao enterro rodeado de meganhas. E, em janeiro deste ano, quando o irmão Vavá faleceu e Lula, preso de novo, foi ao cemitério acompanhado de policiais armados até os dentes. Dois momentos vergonhosos de uma mesma história: a perseguição das elites a quem não se dobra aos seus desejos.
Mas imagino agora a dor de Lula ao chegar em casa, ser recebido pelos filhos, filha e netos e não encontrar ali o sorriso alegre do pequeno Artur, o neto morto de forma estranha, em abril, vítima de um ataque de bactérias. Lula perdeu o ano de vida que restava a Artur, perdeu a alegria inexplicável da relação avô e neto e, mais uma vez, teve que ir um enterro cercado por metralhadoras, enquanto autoridades zombavam da sua dor. Quem pode entender esse momento do nosso país?
No entanto, mesmo diante dessa trajetória de sofrimento e provação, o que se viu, em São Bernardo, foi o emergir de um gigante, uma fênix a explodir das cinzas, a se recriar infinitamente para assombro de seus algozes e perseguidores. Em seu discurso, Lula demonstrou uma lucidez ímpar ao analisar o salto no escuro que o país deu para trás, e foi além: é preciso parar a loucura que nos faz cegos e ir à luta. Não precisa ser PHD em nada para entender a destruição que está sendo conscientemente perpetrada contra o povo e a favor daquilo que ele chamou de milicianos.
Enfim, o país que Lula encontrou, ao sair da prisão, nem de longe lembra aquele de abril do ano passado. O desmonte e os ataques às conquistas de décadas deixaram um rastro de desalento e desesperança. Em vinte dias, ele vai fazer um pronunciamento à nação e dará início a uma nova peregrinação pelos estados. Com a disposição que tem e a força moral reconhecida pelo mundo inteiro, chegou a hora de sair da mortal inanição em que as forças de esquerda se mantiveram até agora e criar as condições para que, em 2022, a sensatez e o equilíbrio voltem ao poder no país.
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