Racismo

Esperança Garcia será representada em peça por atriz “branca” e gera protestos no Piauí

Ativistas e representantes do Instituto Mulher Negra do Piauí Ayabás realizam protesto nesta terça-feira (12)

  • segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Foto: Redes sociaisAtores da peça “Uma Escrava chamada Esperança'
Atores da peça “Uma Escrava chamada Esperança"

Meio Norte- A história de Esperança Garcia, considerada a primeira mulher advogada do Piauí, será contada no Theatro 4 de Setembro nesta terça-feira (12), às 19h30. Porém, a escolha da atriz para interpretar Esperança, uma mulher negra escravizada, tem gerado polêmica. 

A piauiense Gyselle Soares, que tem a pele clara, foi escalada para subir ao palco e assumir a identidade Esperança. Nas fotos de divulgação da estreia da encenação, a artista aparece de peruca e com seu tom de pele visivelmente mais escurecido.

Por meio das redes sociais como Twitter e Instagram, internautas questionaram a ausência de uma atriz negra para interpretar a primeira advogada do Piauí. Com isso, ativistas e representantes do Instituto Mulher Negra do Piauí Ayabás decidiram realizar nesta terça-feira (12) um protesto no mesmo horário e local de apresentação da peça teatral dirigida por Valdsom Braga.

"Vamos levar nossos cartazes e fazer protesto contra esse golpe contra nossa representatividade. Nossa esperança é preta!", diz a presidente do Instituto, Halda Regina.

Foto: ReproduçãoHalda Regina
Halda Regina

No Notícias da Boa, apresentado pela jornalista Cinthia Lages, a presidente do Instituto Mulher Negra do Piauí Ayabás, Halda Regina, pediu representatividade e respeito à memória da trajetória das mulheres pretas.

"A gente contesta isso, estamos mesmo com a indignação de ver uma mulher com uma tez clara representar a nossa maior referência enquanto mulher negra do Piauí, a nossa advogada. Uma mulher que teve a coragem de elaborar um texto falando sobre seus maus tratos e reivindicando qualidade de vida para ela e para todas as mulheres", explica Halda.

Halda acrescenta que a sociedade já enfrenta a pouca representatividade de mulheres negras nos mais diversos âmbitos, resultado da desigualdade do racismo. A convocação de uma mulher de pele clara para interpretar Esperança, nesse caso, mantém, para ela, um ciclo que invizibiliza a história de mulheres pretas.

"Secularmente, nós, mulheres negras, fomos e somos invisibilizadas. Hoje, a Esperança Garcia não é uma referência apenas para o Piauí, mas para o Brasil. É uma referência que nós gostaríamos que as escolas falassem para dizer que mulheres negras, para além desse tráfico negreiro, para além de sermos secularmente inferiorizadas, temos a primeira advogada e outras histórias. Nós estaremos lá com nossos cartazes e nós vamos falar que nossa Esperança é preta”, completa Halda.

Ao anunciar nas redes sociais que faria o papel, a atriz Gyselle Soares comparou sua trajetória à da escrava "olhando a Esperança, me lembro de tantos desafios que já enfrentei na vida", escreveu. Gyselle é piauiense e ficou conhecida ao participar do Reality Show da Rede Globo.

A publicação da atriz recebeu comentários negativos, "uma mulher branca não deve representar uma escravizada, que foi escravizada pela cor da sua pele. Como uma mulher branca vai repreentá-la? Vai se pintar de preto? Questinou a professora Maria Sueli Rocha. Em resposta, Gyelle defendeu sua escolha para o papel afirmando: "estamos com uma proposta totalmente humanitária", mas sem entrar em detalhes sobre essa opção cênica.

Segundo Sueli, o primeiro e mais grave erro da peça é embranquecer a história de Esperança. "Seguem tentando, como sempre, falar de nós, sem nós!"

A professora atuou no processo de reconhecimento de Esperança Garcia como primeira advogada do Piauí. "O Movimento Negro tem entendido a peça como mais uma tentativa de apropriar da história do povo preto, para geração de dinheiro. Ela completa "a escravização de pessoas negras pelo colonialismo permanece em forma de racismo". O figurino da peça também recebeu críticas.
 

Primeira advogada do Piauí 

Esperança Garcia nasceu na Fazenda Algodões, hoje município de Nazaré do Piauí, aproximadamente em 1751. Em 6 de setembro de 1770,  após anos de escravidão, enviou uma petição ao então presidente da Província de São José do Piauí, Gonçalo Lourenço Botelho Castro, com denúncias de maus-tratos e abusos físicos contra ela e seu filho, pelo feitor da Fazenda.

A carta de Esperança Garcia é considerada "a primeira petição escrita por uma mulher na história do Piauí"  o que a torna uma precursora da advocacia no estado. Em 2017, ela foi reconhecida pela OAB-PI, como a primeira advogada do estado, em solenidade promivida pela Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil. A data da entrega da carta é o  Dia Estadual da Consciência Negra.

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