É preciso desmontar a máquina de exceção (LavaJato) e resgatar o papel
OPERAÇÃO MONTESQUIEU, A OPERAÇÃO PÓS-LAVAJATO
Por Antonio José Medeiros, sociólogo e professor aposentado da UFPI
O Brasil vive uma crise profunda, por isso prolongada; as manifestações de 2013 podem ser tomadas como o sintoma do “estouro inicial” da crise. Uma crise profunda porque também é múltipla: econômica, fiscal, social, política, institucional, ética.
A crise institucional tem a ver com as relações entre os Poderes da República: Executivo e Legislativo, Executivo e Judiciário, Legislativo e Judiciário; e também com os problemas internos da organização e do funcionamento de cada Poder. Está em causa o que define a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
Penso que a raiz da crise institucional está no Legislativo – expressão maior da soberania popular; a sessão que votou o impeachment de Dilma foi a “fratura exposta” do Poder. A saída virá pelo prosseguimento da Reforma Política (mas o tema fica para um próximo artigo).
O Executivo tem dificuldade de manter uma relação “independente e harmônica” com o Legislativo: oscila entre a cooptação (desequilíbrio a favor do Executivo) e o loteamento (desequilíbrio em favor dos Legislativo). E o Presidencialismo, na ausência de instituições fortes e da profissionalização do serviço público, favorece as políticas públicas de governo e não políticas públicas de estado (também fica para outro artigo).
Agora, quero tratar mais do Judiciário, e resgatando a teoria da separação dos poderes, defendida no livro O ESPÍRITO DAS LEIS de Montesquieu. Publicado em 1748, o livro se insere no debate intelectual sobre os fundamentos e a organização do Estado Moderno, cujo desfecho histórico-político foi dado pelas Revoluções Americana e Francesa, que se tornaram um paradigma universal.
O Brasil, colônia da metrópole portuguesa, uma sociedade escravocrata, com um forte poder oligárquico local e regional baseado na grande propriedade, ainda hoje (século XXI) tenta desatar alguns nós para se consolidar como um estado moderno.
Não podemos alimentar a onda recente que quer ampliar a desqualificação da Política e dos políticos, com a desqualificação da Justiça e dos juízes, em especial dos Ministros dos Tribunais Superiores. É caminhar do Estado de Exceção para o Estado Autoritário; a saída é o retorno ao Estado Democrático de Direito.
É preciso desencadear uma verdadeira “operação” de resgate do papel institucional do Judiciário, operação que bem merece o nome de OPERAÇÃO MONTESQUIEU.
O ativismo (mais que protagonismo) do Judiciário foi o ponto de partida: passou a Legislar (decidindo sobre assuntos de projetos há tempo paralisados no Congresso) e a decidir sobre questões administrativas da alçado do Executivo (vetando o nome de ministros, por exemplo). Quando isso acontece, adentra-se no arriscado caminho da judicialização da política. O Judiciário se torna Parte nas ações ajuizadas e não assume o papel do Magistrado que dirime os conflitos e garante direitos, com base na lei.
Torna-se também ator na disputa político-ideológica, presa fácil da atuação parcial. É o que explica sua participação (ou conivência) no impeachment de Dilma, na prisão do Lula, na “opção preferencial pelos tucanos”, na submissão aos militares e na ambiguidade em relação a Bolsonaro.
Dentro do espírito pseudo-moralista e justiceiro, típico da LavaJato (que tem forte participação de promotores e delegados), os juízes passam a acusar e punir e não a cumprir sua missão de julgar. Torna-se trivial o uso abusivo do próprio processo judicial, com conduções coercitivas, prisões, pressões para deleção, vazamos de conteúdo de processos, espetacularização. A judicialização atinge seu “objetivo escuso” com a desqualificação da Política.
Mas quero chamar a atenção para um aspecto específico: a desconstrução do Poder Judiciário enquanto instituição com a “corrupção do princípio da organização em instâncias hierárquicas (de monocráticas a colegiadas), capitaneada pela LavaJato.
Em primeiro lugar, desloca-se o Ministério Público para o centro do exercício da “função jurisdicional do Estado”. Um órgão que exerce uma das “funções essenciais à Justiça” (capítulo IV do Título V da Constituição Federal), passa a definir o funcionamento do conjunto do Poder, função que cabe ao STF. Basta lembrar a desenvoltura de Rodrigo Janot.
Em segundo lugar, tem graves consequências se permitir (ou se atribuir) que uma uma vara de primeira instância atue fora de sua jurisdição natural, a partir de “conexões manipuladas” com um fato específico, objeto de uma ação penal específica (caso Petrobrás). Permitir que uma das mais de 20 instâncias de 1º Grau da Justiça Federal no Paraná tenha jurisdição nacional, é usurpar as funções do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do próprio STF.
Em terceiro lugar, certos limites foram ultrapassados: promotores e juízes se tornaram um movimento político, que se dirige à sociedade fora dos processos, pressiona o Legislativo e opina contra decisões dos Tribunais Superiores e do Supremo. A ousadia chegou ao ponto de querer, através de acordos de leniência, inclusive internacionais, ter orçamento próprio e com a apropriação privada de recursos públicos.
Em quarto lugar, está se tentando ultrapassar outro limite com a nova linha de atuação do Ministério da Justiça e a Segurança Pública, sob o comando de Sérgio Moro. Um órgão do Executivo passa a “comandar” o combate à corrupção, usurpando as funções dos órgãos de controle interno (CGU) e externo (TCU); é como se Ministério Público passasse a ser vinculado ao Ministério da Justiça, tal como a Polícia Federal.
A Operação Montesquieu tem como objetivo “superar” essa situação. É necessário levar à frente a regulamentação legal do abuso de autoridade (projeto tramitando no Congresso). Mas é preciso ir direto ao assunto: desmontar a máquina de exceção que tem como epicentro a LavaJato.
Não se trata de recuar no combate à corrupção. Mas, o combate à impunidade não pode ser “a bala da prata”. Tem que se combinar com legislação adequada, transparência, controle social, educação ética e sobretudo a Reforma Política – 50% da corrupção é alimentada pelo Caixa 2.
Nesse momento o foco é resgatar o papel do STF. Começar por agilizar o andamento dos processos e julgar as ações penais de combate à corrupção que tramitam nessa instância. Foro privilegiado não é tramitação privilegiada.
Depois, a Justiça precisa funcionar normalmente (o que não é sinônimo de lentamente); não pode estar subordinada à “lógica da operações de guerra” política e ideológica: a) cada processo julgado, em sua jurisdição própria, num rito processual que respeite as garantias individuais; b) os Tribunais de segunda e terceira instância não podem perder seu caráter de instâncias colegiadas de recurso; sem autonomia revisora, corrompe-se o princípio da hierarquia; instâncias hierarquicamente superiores não podem ser coniventes ou se acovardar; c) o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) não podem ser corporativos.
Os Tribunais Superiores e o STF precisam comandar esse processo de re-institucionalização do Poder Judiciário. O STF deve dar o tom; mas para isso não pode ser a “fogueira de vaidades” de 11 “astros de TV”. Um país onde os Ministros de um Tribunal têm mais espaço na mídis que os Ministros que coordenam políticas públicas no Executivo é um país doente.
A OPERAÇÃO MONTESQUIEU requer uma atuação em vários níveis: debate e pressão da opinião pública, debate e aprovação de leis pelo do Congresso Nacional e firmeza da Presidência e do Pleno do STF. Não se trata de proteger indivíduos, mas de fortalecer uma instituição estratégica para o Estado Democrático de Direito.
Deixe sua opinião: