Justiça

Aborto: o voto de Rosa Weber sobre a descriminalização é irrepreensível

Salve Rosa!


Foto: VejaRosa Weber
Rosa Weber

Por Mary Zaidan, jornalista, no Metrópoles 

Pode até ter sido mais um atropelo da Suprema Corte ditado pela inoperância do Legislativo, mas o voto da ministra-presidente do STF Rosa Weber sobre a descriminalização do aborto é absolutamente irrepreensível. Nos argumentos quanto à constitucionalidade, na análise do mérito, no enfrentamento de uma questão que aflige milhões de mulheres e há décadas o país empurra com a barriga.

Nas 129 páginas em que se manifesta contra colocar na cadeia mulheres que interrompem a gravidez antes do terceiro mês, a ministra expõe as incongruências constitucionais do Código Penal, que se contrapõe aos direitos fundamentais garantidos pela Carta. Diz que a criminalização atenta ainda contra a autodeterminação pessoal, a intimidade das mulheres e a liberdade. E derrota a tese do direito do feto de maneira objetiva: os direitos fundamentais são garantidos aos “nascidos no Brasil”, ou seja, só ocorrem após o nascimento, e não desde a concepção.

Cabe aqui explicar aos desatentos e aos de má-fé: descriminalizar e legalizar são ações completamente distintas. Como o termo diz, a descriminalização se limita à supressão das sanções penais, que, no caso específico, condenam a até 4 anos de prisão a mulher que interrompe a gravidez. Legalizar seria autorizar e regulamentar a prática, o que não está em discussão no âmbito da Suprema Corte. Essa, sim, uma tarefa exclusiva do Parlamento.

Sem fugir do debate que opõe religião ao aborto, Rosa afirma respeito às crenças e convicções morais dos indivíduos, mas avança: “a esfera da moral privada não pode ser confundida com a esfera da moral pública, e principalmente com o espaço de atuação do Estado de Direito, na restrição dos direitos fundamentais”.

Após considerações sobre a ineficácia da proibição para evitar abortos e da exposição de milhões de mulheres a práticas insalubres e a riscos de morte, Rosa foi definitiva: “A maternidade é escolha, não obrigação coercitiva”.

A frase curta e clara traz o tema para o seu lugar de origem: o ser mãe. Os prós, os contras, o desejo, as condições objetivas para a criação do filho e outras tantas variáveis. O Estado não tem direito de se meter nessa opção. “Impor a continuidade da gravidez, a despeito das particularidades que identificam a realidade experimentada pela gestante, representa forma de violência institucional contra a integridade física, psíquica e moral da mulher, colocando-a como instrumento a serviço das decisões do Estado e da sociedade, mas não suas.”

O voto da ministra, que se aposenta compulsoriamente no final deste mês, se deu no plenário virtual. Em uma ação previamente combinada para garantir a ela voz sobre a matéria, o ministro Luís Roberto Barroso, que a sucederá na presidência do STF, entrou com um pedido de destaque. Com isso, o julgamento deixa o ambiente digital para ir aos holofotes do plenário, onde não há segurança quanto à tese da descriminalização. Mas o voto de Rosa Weber já está consignado. Não pode ser alterado pelo novo ministro que o presidente Lula indicar para ocupar o lugar dela.

Depois de propositalmente preferir deixar a questão no limbo, o Congresso agora se vê obrigado a encarar a polêmica, na qual os conservadores estão mais adiantados.

No Senado, a ideia relâmpago de Emenda à Constituição (PEC) acrescentando “desde a concepção” ao artigo referente ao direito à vida se materializou da noite para o dia. Na sexta-feira, a proposta assinada pelo senador Magno Malta (PL-ES) já angariava apoio. Na Câmara, corre-se para acelerar o Estatuto do Nascituro, que depois de um esforço concentrado da direita, com bolsonaristas e evangélicos à frente, está próximo de obter as 257 assinaturas necessárias para um requerimento de urgência que permite levar o projeto diretamente ao plenário, sem tramitar pelas comissões temáticas.

Na esquerda, a maioria dos simpatizantes defende o direito ao aborto. O problema é que os líderes temem a pauta e fogem dela como o diabo da cruz. Candidatos – incluindo o presidente Lula – desconversam quando são perguntados. No máximo, depois de se posicionarem pessoalmente contra, protegem-se dizendo que é uma questão de saúde. Mas nenhum candidato competitivo no Brasil defendeu o aborto, nem mesmo a sua descriminalização.

Nesse vácuo, o STF agiu. Está analisando se é ou não constitucional tratar o aborto como crime depois de ser instado pelo PSOL, que, sob a ótica dos direitos fundamentais, questionou os artigos 124 a 126 do Código Penal, relativos à condenação e punição de mulheres que interrompem a gravidez.

Sem dúvida, é inadiável o debate sobre prerrogativas do STF, Congresso Nacional e Executivo para reforçar os contornos e os limites dos poderes dentro do tripé de sustentação do Estado brasileiro. Até lá, ainda bem que tivemos uma Rosa Weber. Salve Rosa!

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