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Vamos abrir mão do debate sobre projetos de sociedade? O caso Janones

Será injusto se Janones eventualmente for cassado, enquanto tantos outros, a começar por Flávio Bolsonaro, não foram? Será.

Foto: Mauro PimentelAndré Janones
André Janones

Por Luis Felipe Miguel, professor, no facebook

O deputado André Janones gosta de se colocar como responsável pela vitória de Lula em 2022. Sua guerrilha de desinformação teria furado as bolhas bolsonaristas. E, ao “mexer com o psicológico” (uma expressão que ele adora) do adversário, teria levado, por exemplo, ao descontrole pistoleiro de Carla Zambelli na véspera da eleição.

É difícil avaliar a precisão da gabolice do deputado, porque é difícil medir o efeito de ações singulares no resultado eleitoral. Mas não dá para negar que Janones cumpriu um papel, sacudiu o marasmo da esquerda nas redes e contribuiu para mobilizar a militância.

Sim, era fundamental derrotar Bolsonaro – a qualquer custo, ouso dizer. Mas é necessário refletir sobre o custo da estratégia. O próprio Janones preferiu folclorizá-la adotando o rótulo “janonismo cultural”, título de seu livro recém-lançado, ao mesmo tempo em que a apresenta como tábua de salvação para a disputa política em tempo de redes sociais.

Mas muito da estratégia se baseava em moralismo convencional, com um pé na homofobia, e preconceito contra não-cristãos. O ganho no momento cobra um preço: reforçar o discurso dos adversários.

A justificativa – de que estão expondo a hipocrisia dos pretensos defensores da família patriarcal, da heteronormatividade, dos papéis convencionais de gênero e da fé cristã – é frágil.

A resposta era que contra Bolsonaro valia tudo. “Quem tá com pena que leve um bolsomínion pra casa e cuide”, tuitou, no meio da campanha, a influencer Patrícia Lélis, uma janonista entusiasmada.

De fato, manter a integridade e permitir que Bolsonaro se reeleja não ofereceria consolo nenhum. Mas reduzir a política à opção entre táticas manipulatórias opostas é abrir mão do projeto emancipatório da esquerda.

Como Maquiavel já apontava, lá no começo do século XVI: na política, não há soluções fáceis. Vamos ter que fazer escolhas e viver para sempre com as consequências delas.

Janones não apenas surfava em preconceitos. Ele também não se ligava para a verdade do que divulgava.
Às vezes, dizia ter provas explosivas sobre alguma coisa indeterminada, embora não tivesse nada – para “mexer com o psicológico”. Ou então insinuava mentiras, como a de que Collor seria nomeado ministro de Bolsonaro para confiscar novamente a poupança.

Vamos nos conformar com uma política reduzida a isso – quem inventa a mentira mais estrondosa contra o outro? Vamos abrir mão do debate sobre projetos de sociedade, da politização, da possibilidade de democracia?

O “janonismo” pode ser visto como uma solução emergencial para uma situação crítica. Mas, a médio e longo prazo, a esquerda precisa aprender a usar as redes de outra forma, como instrumento de formação política efetiva.
Janones diz que não lançava fake news porque sempre atribuía a informação (falsa) a um “dizem que”, “há suspeitas de que”.

Desculpa frágil. Como se mostram frágeis, até o momento, suas explicações sobre a denúncia de rachadinha em seu gabinete.

Ele tem direito de defesa, claro, mas os áudios comprometedores são fortes. Infelizmente, a confusão entre recursos públicos e privados é comum mesmo entre políticos de esquerda. Por exemplo: que parlamentar não usa funcionários de seu gabinete em campanhas eleitorais?

Será injusto se Janones eventualmente for cassado, enquanto tantos outros, a começar por Flávio Bolsonaro, não foram? Será.

Mas o caminho não é a impunidade generalizada. É a tolerância zero com esse tipo de desvio.

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