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Pacote Anticrime: não é bom juntar num mesmo projeto de lei, mudanças no Código Penal, de Processo Penal e no Código Eleitoral

Pacote Anticrime: não é bom juntar num mesmo projeto de lei, mudanças no Código Penal, de Processo Penal e no Código Eleitoral

Foto: GooglePacote Anticrime
Pacote Anticrime

Caixa 2, correpção e reforma política

Antonio José Medeiros, sociólogo e professor aposentado da UFPI

Ao lado da Reforma da Previdência teremos, nos próximos meses, o debate no Congresso Nacional, na Imprensa e na Sociedade do Pacote Anticrime. A oposição e esquerda não podem se omitir nesse debate, dialogando com os setores sociais e as instituições (como OAB, Cursos de Direito, Igreja Católica, Fórum Nacional de Segurança Pública) que atuam nessa área. O pacote anticrime reflete uma visão autoritária do combate à violência e insegurança, que são problemas reais enfrentados pela sociedade, isto é, por todos nós. Envolve aspectos jurídicos e administrativos (que serão discutidos tomando como referência o texto dos projetos de lei), mas envolve questões político-filosóficas (estado de direito e direitos humanos). Basta lembrar a exclusão de ilicitude para policiais por “excessos” (leia-se: matar) provocados por medo (sic!), surpresa e violenta emoção. O pacote prevê alterações em 14 leis, como o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execução Penal, a Lei de Crimes Hediondos e o Código Eleitoral. E tem sido dada ênfase, inclusive pela oposição, ao fatiamento em três projetos, um dos quais trata da “criminalização do caixa 2”. Seria – e de fato é – uma concessão ao corporativismo dos parlamentares e pode ter como consequência que a matéria não será votada. Critico que a oposição e a esquerda tenham embarcado nessa polêmica tática. Será que é bom juntar num mesmo projeto de lei mudanças no Código Penal, de Processo Penal e no Código Eleitoral? Não é. É reforçar a judicialização da política e a criminalização da atividade política – visão da Lava Jato, do Moro e do Dallagnol. O Código Eleitoral – que deve incluir penalidades, é claro – tem a ver com democracia, com representação política, com organização partidária. Defendo que a questão do Caixa 2 deve ser tratada estrategicamente, no contexto mais geral de financiamento das campanhas eleitorais. Cabe à esquerda e aos democratas retomar a discussão da Reforma Política. Retomar o projeto de emenda constitucional e de mudanças em leis ordinárias, que foi relatado pelo Deputado Marcelo Castro, é um bom ponto de partida. O Henrique Fontana, deputado federal reeleito pelo PT do Rio Grande do SUL, já foi relator em duas tentativas de reforma política e sistematizou muitos pontos. A cláusula de barreira ou desempenho (2018) e a vedação de coligações para cargos proporcionais (2020) já iniciaram a reforma. O Fundo Eleitoral ajudou a quebrar o tabu do financiamento público de campanha, embora não funcione bem com gestão financeira de comitês individuais de candidatos. A questão dos “laranjas” veio à tona e mostra que financiamento público só funciona com finanças administradas pelos partidos. E visão coletiva da disputa só funciona se adotarmos a lista partidária; a ordem dos candidatos na lista deve ser decidida em eleição direta com a participação de todos os filiados do partido. A corrupção é um fenômeno geral e sistêmico de nossa vida política (e social). Sempre defendi de que o problema precisa seja debatido publicamente pelo PT e pela esquerda. Não acho que seja moralismo de viés religioso ou “fazer o jogo do adversário”. A população, mesmo manipulada pelo antipetismo, sabe que o problema é geral. Os exemplos são abundantes: no PMDB, no PP, no PSDB e outros partidos. Os casos recentes envolvendo o PSL e a família Bolzonaro são esclarecedores, mesmo para quem se enganou com “a limpeza do Mito”. Isso cria o clima para uma avaliação mais equilibrada em relação ao tratamento parcial e ideologicamente motivado contra o PT e o Lula. E para a discussão da corrupção no contexto da Reforma Política. O combate sincero e efetivo à corrupção requer uma análise de suas múltiplas causas, para se atuar em várias dimensões e não apenas através da criminalização como condição de evitar a impunidade. Para alguns, a corrupção é própria da natureza humana; pode até ser. Mas a educação e o controle social e legal existem para regular os comportamentos. Para outros, corrupção tem a ver com a falta de transparência e controle no uso dos recursos públicos e no comportamento dos gestores, servidores e parlamentares. Temos uma boa legislação a respeito; e temos avançado. A Imprensa, descontadas as manipulações, ajuda. O controle da gestão pública pela CGU e CGEs, pelo TCU e TCEs e pelo Ministério Público avançou. O que os controladores não podem é se considerarem os “únicos guardiães da moralidade”. Para os que têm uma visão histórico-crítica, a corrupção tem a ver com a mercantilização da política, típica do capitalismo. O problema é real, o dinheiro passa a ser a mediação das relações sociais. Por isso que transparência, controle e regulação do mercado são importantes. Para os educadores e formadores (muitos com motivação religiosa) a corrupção só será combatida pela raiz pela formação ética, pelo compromisso com o bem comum, pelo espírito republicano e mesmo pela virtude cívica. É correta essa visão. Não resta dúvida de que a impunidade favorece a corrupção política. Já dispomos de legislação que precisa ser aperfeiçoada. O problema é a “operação do Direito”. A “politização da Justiça”, dos TSE e TREs e do STF inclusive, vem crescendo no Brasil, em prejuízo do estado democrático de direito. A Justiça não pode atuar através de “Operações”; isso é lawfare. Daí que o contraponto estratégico, e não só tático, ao pacote anticrime é a retomada da discussão sobre financiamento das campanhas. Campanhas individualizadas de candidatos, sem a mediação partidária, leva a uma competição desenfreada e mistura o interesse político com o interesse individual. E exige recursos de publicidade que encarecem as campanhas. Mas o Caixa 2 será “uma caixa sem fundo” enquanto não superar as condições histórico-sociológicas do clientelismo, da compra de voto e do voto de favor. O clientelismo exige não só distribuir favores materiais aos eleitores, mas a manutenção de um exército de cabos eleitorais. E isso é caro. Precisamos acelerar o processo histórico de superação do clientelismo, através legislação sobre o financiamento das campanhas. Mas é a educação, o bom funcionamento dos serviços públicos, a oportunidade de emprego e os salários dignos que reduzirão a corrupção no Brasil ao “mínimo denominador comum, ou seja, humano”, favorecendo o voto livre e consciente.  

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