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Morre Aldir Blanc - veja análise da música O Bêbado e a Equilibrista

Aldir foi diagnosticado com Covid-19 no dia 23 de abril

Foto: Brasil 247Aldir Blanc
Aldir Blanc

Com informações do Brasil 247

Um dos maior compositores da música popular brasileira, Aldir Blanc, morreu na madrugada desta segunda-feira (4) no Hospital Pedro Ernesto, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, onde estava internado com coronavírus. A informação foi divulgada pela Rádio Tupi.

Com infecção generalizada em decorrência do novo coronavírus, Aldir Blanc estava internado no CTI do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, desde o dia 15 de abril.  Autor de “O Bêbado e o Equilibrista”, imortalizada na voz de Elis Regina, entre dezenas de outras composições, Blanc, de 73 anos, foi diagnosticado com Covid-19 no dia 23 de abril.

No dia 10 de abril, o compositor deu entrada na CER do Leblon com infecção urinária e pneumonia, que evoluíram para um quadro de infecção generalizada.

Cinco dias depois, a partir de uma campanha de amigos e artistas, ele conseguiu transferência para o Hospital Pedro Ernesto.

Na unidade, chegou a apresentar sinais de melhoras, mas como seu estado era muito grave, foi mantido sedado o tempo inteiro.

Aldir Blanc Mendes nasceu no Rio de Janeiro, no dia 2 setembro de 1946. Em 1996, ingressou na Faculdade de Medicina, especializando-se em psiquiatria. Em 1973, abandonou o curso para dedicar-se exclusivamente à música, tornando-se um dos mais importantes compositores de Música Popular Brasileira (MPB).

Uma de suas canções mais famosas, “O Bêbado e a Equilibrista”, feita em parceria com João Bosco, ficou eternizada na voz de Elis Regina.

Outras composições famosas são “Bala com Bala”, “O Mestre-Sala dos Mares”, “De Frente Pro Crime” e “Caça à Raposa”.

A obra de Blanc reúne, ainda, dezenas de canções conhecidas, feitas em parceria com outros ilustres artistas, como Moacyr Luz, Maurício Tapajós, Paulo Emílio, Carlos Lyra, Guinga, Edu Lobo, Wagner Tiso, César Costa Filho, Cristóvão Bastos, Roberto Menescal, Ivan Lins, entre outros.

Por que a composição de Aldir Blanc é uma ode à liberdade, o Hino da Anistia

Por Renata Arruda no DCM

Lançada em 1979 no álbum Essa Mulher, de Elis Regina, O Bêbado e a Equilibrista foi adotada pelos brasileiros como o Hino da Anistia, em referência à lei que concedeu perdão aos perseguidos políticos e abriu caminho para o retorno da democracia no país.

Composta por João Bosco e Aldir Blanc, foi originalmente pensada por Bosco como uma homenagem a Charlie Chaplin, falecido em 1977. A harmonia, por exemplo, tem passagens melódicas propositalmente parecidas com Smile, do filme Tempos Modernos.

Assim como outras músicas escritas durante a ditadura, a letra de O Bêbado e a Equilibrista é recheada de metáforas, utilizadas para denunciar a situação do país. Vem ver a nossa análise!

A história por trás de O Bêbado e a Equilibrista

Como adiantamos, O Bêbado e a Equilibrista surgiu da vontade de João Bosco homenagear Charlie Chaplin, que havia morrido no Natal de 1977.

“Estava em Minas, naquelas festividades de Natal e Ano Novo, e as pessoas entrando já no clima carnavalesco. Comecei a querer fazer no violão algo que ligasse o Chaplin àquele momento musical brasileiro, carnavalesco”, disse o músico.

Segundo ele, a inspiração surgiu pelo fato de Chaplin tratar de temas a favor dos miseráveis, mas com alegria, “e no final dos filmes havia sempre um horizonte onde você podia chegar a pensar em um dia viver em um mundo diferente. Não tão desfavorecido como este”.

Na época da composição, ainda estava em vigor o Ato Institucional nº 5, o AI-5, decreto que deu início aos anos mais duros do regime militar, que resultaram em inúmeras perseguições, exílios, prisões, torturas, mortes e desaparecimentos de opositores.

Um dos exilados era o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, irmão do cartunista Henfil e do músico Chico Mário.

Em uma conversa com os irmãos de Betinho, Aldir Blanc teve a ideia de fazer da música um protesto pela volta de todos os exilados e perseguidos, pelo ponto de vista de um personagem chapliniano, o bêbado.

Hino da Anistia

A música acabou caindo nas mãos de Elis Regina, que se apaixonou pela letra.

A faixa acabou informalmente se tornando o Hino da Anistia — ao pedir pedir pela volta do irmão do Henfil, ela passou a mobilizar milhares de pessoas pelo fim da repressão.

Em entrevista, Elis declarou acreditar que a música poderia ser “um empurrãozinho a mais na questão”, ou seja, uma forma de incentivar a volta da democracia e da liberdade de expressão. E foi o que aconteceu.

Análise da música O Bêbado e a Equilibrista

Confira uma análise trecho a trecho do significado da música:

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos

A letra começa em tom de desesperança, representada pelo fim repentino do dia. A menção ao viaduto é uma referência ao elevado Paulo de Frontin, que desabou no Rio de Janeiro em 1971, deixando dezenas de mortos e feridos.

De forma irônica, Aldir Blanc se refere ao otimismo do período como uma ilusão tão frágil quanto uma obra malfeita. Além disso, temos a figura de Carlitos, personagem mais famoso de Chaplin, que representa a classe trabalhadora, a mais afetada pela situação.

Também é possível entender o personagem como um representante da classe artística, uma vez que as roupas pretas de Carlitos simbolizariam o luto pela falta de liberdade.

A Lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

A Lua é utilizada aqui no sentido figurado para se referir a políticos que defendiam o regime militar por interesses particulares. Sem luz própria, ela recorre às estrelas frias (militares poderosos) em busca de um brilho de aluguel (ganhos eleitorais e pessoais).

Ou seja, tal qual a cafetina dona do bordel, que explora as prostitutas para benefício próprio, esses políticos se vendiam ao regime, às custas da exploração do povo e dos recursos do país, para obter ganhos pessoais.

E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!

O mata-borrão era um papel absorvente, usado para remover excessos de tinta das canetas-tinteiro. Ou seja, um utensílio para eliminar erros.

Assim, o verso e nuvens no mata-borrão do céu se refere às torturas e desaparecimentos promovidos pelo regime militar. Os torturadores são representados pelas nuvens, enquanto o mata-borrão simboliza o DOI-CODI, órgão de repressão do governo.

Durante o período, era comum que opositores fossem eliminados pelos militares, que forjavam situações para justificar e abafar as mortes.

O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil
Meu Brasil!

A figura do bêbado com chapéu-coco é mais uma referência ao personagem Carlitos, usado aqui como representante do povo brasileiro.

Assim como Carlitos, que mantinha a irreverência diante das dificuldades, o povo continuava a tentar levar a vida com bom humor, acreditando que dias melhores chegariam.

Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil

Para o letrista, era um desejo de toda a sociedade que pessoas exiladas, como Betinho, retornassem ao Brasil.

Além disso, ele menciona a dor de Marias e Clarisses, em referência às mães e viúvas de presos políticos, como Maria, esposa do metalúrgico Manuel Fiel Filho, e Clarice, esposa do jornalista Vladimir Herzog, ambos torturados e mortos pelo regime.

Um verso do Hino Nacional também é usado para ironizar o sentimento de nacionalismo, denunciando que os cidadãos brasileiros são mortos e exilados por um Estado que deveria protegê-los.

Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar

A música, que começa em tom de desalento, termina com uma mensagem de fé: toda a luta de pessoas contrárias ao regime, que sonhavam com a abertura democrática, não seria em vão.

A esperança, mesmo que frágil e andando de sombrinha na corda bamba, existia.

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar

Ainda que o período fosse de incertezas, tanto o povo quanto a classe artística deveriam seguir em frente, equilibrando suas esperanças na corda bamba. Afinal, a vida só tem um sentido: a frente.

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