Meio Ambiente

Maior tatu do mundo é registrado por fotógrafo que levou 40 anos para encontrá-lo

Animal foi flagrado na Serra da Canastra (MG)


Foto: Alessandro AbdalaTatu
Tatu

O fotógrafo Alessandro Abdala flagrou um tatu-canastra no Parque Nacional da Serra da Canastra (MG), no fim de março. As belas imagens do animal foram compartilhadas no Instagram do fotógrafo, que afirmou ter esperado quase 40 anos para se encontrar com uma "lenda do cerrado".

Ao avistar o animal, o fotógrafo — que estava acompanhado dos amigos @irmaos_pompeu — afirmou ter ficado em transe, mas, se surpreendeu ao notar que o tatu, na verdade, é um bicho dócil e sereno.

Veja o que Alessandro Abdala e @irmaos_pompeu escreveram no instagram. 

Alessandro Abdala:

Frequento o Parque Nacional da Serra da Canastra há quase quatro décadas. Desde as primeiras incursões, ainda rapazote, foi sempre um deleite percorrer os vastos campos naturais à procura de bichos, paisagens e aventuras.
Muito cedo contemplei os cenários estonteantes e tomei contato com tamanduás, veados, lobos, raposas, répteis e uma infinidade de aves, algumas só mais tarde viria a saber, figuram entre as mais raras do mundo.
Entretanto, a busca por uma lenda do Cerrado me perseguia. De existência onipresente, atestada por vestígios deixados nas trilhas lamacentas percorridas às primeiras horas da manhã, ou em buracos descomunais cavados nos barrancos das estradas, essa entidade mítica, como um santo graal, me permanecia inalcançável. 
Décadas de buscas frustradas e eu não pudera botar os olhos nele, o Gigante do Cerrado: o tatu-canastra! 
“Quase do tamanho de um fusca”, diziam alguns mais exagerados. “Tem a força de cinco homens”, atestavam outros. “Caminha como uma bailarina, pisando a ponta das unhas”... eu ouvia e ficava a imaginar o dia do nosso encontro, certo de que chegaria. 
E chegou.
Dia cinzento, monótono, chuvoso. Desses em que só se vê neblina no alto do parque. Eu me fizera acompanhar dos pupilos da sorte, os admiráveis gêmeos nascidos no coração do Cerrado Mineiro, os @irmaos_pompeu.

Foto: Alessandro AbdalaTatu
Tatu


Dirigindo  vagarosamente a Toyota Bandeirante, cochilando ante a batida do motor e a monotonia da paisagem, serpenteávamos a estrada sinuosa quando uma visão onírica materializou-se sob o nevoeiro: caminhando em nossa direção vinha algo grande, desajeitado, incomum para aquela hora do dia. Foram segundos enigmáticos até que a névoa do sono se dissipassem para eu entender do que se tratava e gritar assombrado: - TATU-CANASTRA! Foi como um transe, subitamente estávamos fora do carro. Respiração ofegante, pernas tremendo, coração acelerado, as mãos mal conseguiam achar os controles da câmera... E nem era para tanto: dócil, sereno, majestoso, o Canastra pouco se deu pela nossa presença, desfilou lenta e calmamente frente às nossas lentes até mergulhar nevoeiro adentro e desaparecer no mar de capinzal que nos rodeava.
Ainda estonteados, tomados pela emoção, nos entreolhamos em silêncio, embevecidos, gratos. Havíamos comungado de um momento sublime. Fizéramos, à luz do dia, um dos mais difíceis registros fotográficos de nossas vidas. Sorriamos, realizados.
Os gêmeos romperam o silêncio e balbuciaram algumas palavras de euforia e triunfo. Eu não respondi, não ouvi direito. Parado no meio da estrada, contemplava, absorto, a imagem colossal do mamífero pré-histórico desaparecendo em meio ao capim. Em êxtase, acabara de conhecer uma lenda, e era mesmo tudo que diziam, um ser extraordinário… eterno, sobrenatural, verdadeiramente um gigante, muito maior que um fusca!
PS: Dias antes, na companhia dos mesmos gêmeos de Pompéu, havíamos fotografado o inhambu-carapé, uma das aves mais difíceis do mundo, quatro dias depois, registramos uma onça-parda. Definitivamente esses gêmeos me dão sorte!

Foto: Alessandro AbdalaTatu
Tatu



Irmaõs Pompeu:

Ato I: O gigante abatido
Tudo começa em 2005, tínhamos apenas seis anos, brincávamos na rua junto às outras crianças do bairro, quando chega um conhecido vizinho, pilotando uma moto velha e, preso à garupa, um ser estranho, de aparência pré-histórica, maior do que qualquer criança ali presente. Na fértil imaginação infantil, aquilo só poderia ter vindo de "outro planeta", quem sabe fosse um "ser mitológico da Grécia antiga", talvez até um "tanque de guerra disfarçado", já que era impossível negar a aparência.
Abatido com um tiro de espingarda bem no meio da testa, durante uma caçada que atravessou a noite, de "tamanho colossal", transformou-se na atração principal da vizinhança, pois poucos ali já haviam estado na presença de tal ser.
Nós, crianças de mentes inocentes, transformamos o evento num verdadeiro rodeio, montando na carcaça do pobre animal e pulando como se nossas vidas dependessem daqueles oito segundos. Um dia marcante nas nossas jovens vidas.

Ato II: O surgimento de um sonho
Os anos foram passando e, duas décadas depois, agora adultos e com um pouco mais de conhecimento sobre a fauna, tornara-se um verdadeiro objetivo de vida replicar aquele encontro em terras pompeanas, mas desta vez, com o "ser pré-histórico" vivo e na natureza.
Mas a realidade é cruel com quem espontaneamente resolveu gostar de natureza, num mundo tão desnaturado.
Em Pompéu, as savanas antes coloridas de incontáveis tons e vida, transformam-se cada vez mais em verdes desertos monocromáticos.
Os relatos sobre a ocorrência da espécie na região ficam cada vez mais distantes, desaparecendo no tempo, assim como o Cerrado que foi serrado. Braquiária, cana, soja, eucalipto e o mogno, tomam sem piedade o lugar dos troncos tortuosos do pequi, da cagaita, da sucupira-preta, do ipê-amarelo, da bate-caixa e dos infinitos capins nativos, como o flechinha, brinco-de-princesa, rabo-de-burro, e o capim-tamanduá.
A extinção local de algumas espécies, por causa do desmatamento desenfreado e da caça predatória, nos deixam ainda mais aflitos, mas é como dizem: "a esperança é a última que morre".

Foto: Alessandro AbdalaTatu
Tatu

Ato III: O grande momento

O sonho fora realizado, o enigma de quatro décadas decifrado.
Mas os mistérios do Cerrado continuam, qual seria a próxima surpresa?
● E não é que não demorou muito? Quatro dias depois, enquanto esperávamos uma canca-d'aguá passar, na zona rural de Tapira MG, uma onça-parda resolveu passar ao lado do nosso carro em pleno meio-dia.
Quando esse trio se junta, a sorte resolve sorrir de orelha a orelha, pois como o já relatado aqui, juntos já observamos:
•curiango-do-banhado durante o dia, em Sacramento/MG;
• codorna-carapé pousando ao nosso lado. Tesoura-do-campo passando em meio ao nosso grupo no fim da tarde, depois de um dia inteiro procurando por ela. Pato-mergulhão quando fomos dar um mergulho. Tamanduá-bandeira, lobo-guará, veado-campeiro, cachorro-do-mato, raposa-do-campo, tapiti e tatu-peba. Todos na Serra da Canastra.
•codorna-mineira atravessando a estrada na frente do carro, em Pompéu;
● Alguns chamariam de sorte, outros de destino, os mais religiosos de "ato divino", não importa. No dia seguinte ao voltarmos de viagem para Pompéu, encontramos em um barranco de beira de estrada, vestígios de uma toca de tatu-canastra cavada recentemente, nos trazendo de volta a esperança de um reencontro em nossa amada terra natal.
Continuamos sonhando com esse momento.
Esperamos que se realize breve!

Foto: Alessandro AbdalaTatu
Tatu

Sonhos se realizam, às vezes um pouco diferentes de como os idealizamos.
Atravessávamos o Chapadão da Serra da Canastra sentido cidade de Sacramento, na companhia do grande amigo e mestre, Alessandro Abdala.
Em sua Toyota Bandeirante, cruzando a estrada esburacada do parque, jogávamos conversa fora. Prosa vai, prosa vem, o Alessandro nos relata entre seus contos e vivências de quase quatro década de Parque Nacional, que um enigma lhe parecia indecifrável, do "Big Five" dos mamíferos canastreiros, apenas um lhe faltava o encontro: "me parece inalcançável", dizia.
Era um dia estranho. Quieto, frio e cinza, apenas algumas poucas corruíras-do-campo cortavam o silêncio ensurdecedor do vento no horizonte. A bruma baixa e a chuva fina deixava-nos sonolentos.
O Alessandro, dirigindo e lutando contra a vontade de tirar um cochilo, seguia vagarosamente. Nós (Afonso e Luiz) não aguentamos, perdemos a luta por nocaute, dormimos.
Alguns instantes depois, um grito do Alessandro ecoava em nossos ouvidos, despertando-nos: "TATU-CANASTRA!"
Parecia que nós três havíamos nos teletransportado, tão rápido quanto a velocidade da luz, nos encontrávamos já fora do carro.
Acordados? Mais ou menos.
Olhos arregalados e visão turva, mãos tremulando, pernas bambas e coração acelerado quase saindo pela boca.
Como diriam os mais velhos: "parecíamos três varas verdes de bambu", de tanta tremedeira.
E a final, nem era para tanto, verdadeiro cegueta, manso e com o vento ao nosso favor, por bastante tempo, o tatu quase não nos percebeu. Veio desfilando calmamente em nossa direção e, como o vizinho caçador, disparamos nossas "armas", mas o único estampido ouvido foi o dos cliques de nossas câmeras.
O vento mudou de direção e ele sentiu nossa presença. Tentando entender o que estava acontecendo, por alguns segundos ergueu o focinho e, ao sentir nosso cheiro, deu meia volta, desaparecendo magicamente em meio a neblina, como se fosse mesmo "um ser mitológico".
_"O que acabou de acontecer?" Pensávamos.
Boquiabertos, trêmulos e incrédulos, nos entreolhamos e depois de poucas palavras, voltamos ao carro, a ficha ainda não havia caído.

Foto: Alessandro AbdalaTatu
Tatu

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