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Haddad, Dino, a Raposa e o Leão

Maquiavel disse haver 2 formas de agir em política: pelas leis e pela força. A primeira seria própria dos humanos e, a segunda, dos animais

Foto: Montagem pensarpiauiHaddad, Dino, a Raposa e o Leão
Haddad, Dino, a Raposa e o Leão

Por Aldo Fornazieri, professor, no GGN

Quem conhece a teoria da liderança de Maquiavel deve se lembrar que, em famosa passagem de O Príncipe, o autor florentino afirma que, em política, existem duas formas de agir (combater): pelas leis e pela força. A primeira seria própria dos humanos e, a segunda, dos animais. Sendo que as ações políticas e o exercício do poder estão sempre implicados em combinações variáveis de persuasão (no sentido de convencimento) e de força, convém aos líderes serem metade humanos e metade animais.

Política e poder estão sempre imersos em combinações de diversos pares ambivalentes e paradoxais. O grande líder é aquele que sabe manejar com maestria esses pares, combinando suas variações segundo as exigências das circunstâncias. O próprio agir como animal se desdobra numa ambivalência ou num paradoxo: ao exercer esta qualidade, o líder deve procurar agir como raposa e como leão, segundo as circunstâncias.

No jogo da política e do poder existem muitos lobos. Quem quiser ser bom em tudo na política, “se arruinará dentre tantos que são maus”. A política está implicada também numa situação recorrente de armadilhas, de ardis e de espertezas. Somente o agir astucioso permite identificar, driblar e escapar das armadilhas. É isto o que a raposa sabe fazer. O líder precisa incorporar esta personalidade em várias situações.

Mas a raposa tem uma limitação: ela não consegue afugentar os lobos e pode ser devorada por eles. Quando os lobos atacam, o líder precisa apresentar-se como leão para afugentá-los. Mas como o leão não sabe identificar as armadilhas,  é bem necessário que o líder, no seu momento animal, saiba ser as duas coisas: raposa e leão.

O ideal seria que os líderes soubessem usar todas essas qualidades, virtudes, que Maquiavel chamava de virtù. É difícil que isto ocorra. Em face dessa dificuldade, é importante que os líderes de um mesmo projeto combinem entre si uma distribuição de personificações das qualidades que é necessário parecer ter no exercício do poder.

Os ministros Fernando Haddad e Flávio Dino, aparentemente, não combinaram formas de agir entre si. Então o acaso (a deusa Fortuna) tratou de promover essa combinação tácita entre eles para o bem de Lula e do governo: Haddad parece ter se investido mais do figurino da raposa e, Dino, o do leão.

Como ministro da Fazenda, Haddad, certamente, mudou seu modo de agir político em relação àquele adotado como prefeito. Abandonou um viés professoral que embora não fosse, o fazia parecer arrogante. No seu novo figurino agora é muito mais negociador, astucioso, mediador. Adotou ou aprendeu a arte do parecer ser, essencial ao líder político.

Com isso, Haddad evitou muitas armadilhas: driblou as pressões argentinizantes na condução da economia que vinham de setores do governo e do PT; convenceu setores majoritários hostis da Câmara e do Senado a aprovarem pautas fundamentais ao governo, notadamente a nova política fiscal; construiu um modus vivendi civilizado e produtivo com o Banco Central, ação importante para estabilizar o governo num momento de tensão política gerada pelo 8 de janeiro e criou no mercado interno e nos investidores internacionais a certeza que Lula verbalizou nos últimos dias: “ninguém vai dar um cavalo de pau na economia”.

Em resumo: a política econômica do Ministério da Fazenda foi decisiva para dirimir dúvidas sobre a estabilidade fiscal e para gerar a confiança necessária para que a economia possa andar. As coisas estão assentadas: crescimento econômico além da expectativa, inflação controlada, emprego e renda com tendência de recuperação, endividamento em queda, política de transição ecológica, melhora na classificação de risco.

Há muita coisa por fazer: os juros de longo prazo estão em alta por conta de dúvidas sobre os possíveis déficits de 2023 e 2024. O governo precisa atacar essas dúvidas com urgência. Se não dá para aumentar a arrecadação, que se corte as despesas, começando pelos incontáveis e imorais privilégios. O governo precisa de um programa de eficiência do gasto público.

Flávio Dino tem aparecido como o homem forte do governo, o leão que enfrenta e afugenta os lobos. Alguém no governo precisa desempenhar este papel, alguém precisa rugir. Essa necessidade decorre do momento de tensão politica que requer enfrentamentos, de crise na segurança pública e de vários conflitos espalhados pelo país, envolvendo os povos originários, o garimpo ilegal e ações criminosas de todo o tipo. Mesmo caindo em algumas armadilhas, Dino vem enfrentando esses desafios com a maestria e a força dos leões. Em meio a tantos conflitos, o governo não pode ter um ministro da Justiça low profile, de fala mansa.

A pacificação do país não será feita com compadrios e com os mi mi mi festivos brasilienses. Os pacificadores proclamam a paz fazendo as guerras. Tirar Dino da Justiça para colocá-lo no STF será um erro grave de avaliação. Desfalcará o momento de força que o governo precisa ter e utilizar. O STF não precisa de um Dino, mas de uma mulher, que seja negra, que seja nordestina e que seja comprometida com os direitos das maiorias e das minorias carentes de direitos. O Brasil está longe de estar pacificado.

Haddad e Dino são os ministros mais proeminentes do governo, os que mais entregam. São capazes e fiéis a Lula. São complementares: expressam duas faces que o governo precisa ter. Alckmin, Marina Silva, Simone Tebet, Múcio, Nísia Trindade e Margareth Menezes também entregam bem. Mas, de modo geral, o ministério tem se mostrado ineficiente e fraco. Politicamente, o governo está ainda patinando. As pesquisas o mostram. Até o final do ano, Lula precisa puxar o freio de arrumação do governo, mover peças, buscar mais competência e mais qualidade na entrega.

O governo precisa mostrar que projeta e age para concretizar um novo destino para o país. Não pode ficar apenas apresentando programas e políticas públicas de caráter receituário. É preciso apresentar um projeto que seja capaz de criar uma identidade majoritária no imaginário das pessoas. Um projeto persuasivo, capaz de mobilizar vontades, esperanças, afetos e engajamentos.

O texto não representa necessariamente a opinião do pensarpiauí

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