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Fim do auxílio-reclusão é proposta ideológica e discriminatória

A Câmara dos Deputados elegeu o tema como prioridade para este ano

Foto: DivulgaçãoINSS
INSS

Por Leandro Brito Lemos, advogado, no Viomundo   

O Governo Federal editou, em 09 de fevereiro, a Portaria nº 667 de 2022, tornando pública a Agenda Legislativa Prioritária do Governo Federal.

Ou seja, elencando as propostas em que o Governo se empenhará para que o Congresso Nacional aprove este ano.

São 45 propostas já em tramitação no Congresso Nacional ou em formulação no âmbito dos poderes Executivo e Legislativo, separadas em dez grandes áreas: econômico, custo Brasil, social, ambiental, segurança e defesa nacional, agricultura, mineração, educação, infraestrutura e saúde.

Dentre as prioridades, estão a privatização dos Correios, a proposta de reforma tributária, a reforma da legislação do imposto de renda, o projeto de lei que visa instituir o marco temporal das terras indígenas, regulamentação do lobby, flexibilização do uso de defensivos agrícolas (pacote veneno) e a proposta de contrato verde amarelo, já rejeitada pelo Congresso quando deixou de apreciar, dentro do prazo previsto na Constituição, a medida provisória n° 905, de 2019.

Uma breve análise das prioridades do Governo Federal já nos leva a concluir que ele vai insistir em projetos de lei que não avançaram no Congresso Nacional. Mais ainda, que não apresentam medidas concretas para resolver os mais graves e urgentes problemas que a população enfrenta, como a fome e o alto índice de desemprego, por exemplo.

A maioria dos projetos é da chamada pauta ideológica. Cada um deles poderia ser objeto de uma análise separadamente.

Na área de segurança, constam projetos que visam facilitar a posse e o porte de armas de fogo e munição, a redução da maior idade penal para 16 anos, em caso de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.

Chama a atenção que entre as proposições prioritárias para a área de segurança pública consta a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 3/2019, que visa acabar com o auxílio-reclusão. Sem dúvida, este é o benefício previdenciário mais atacado e, certamente, objeto de opiniões e notícias equivocadas.

O apelido bolsa-bandido, dentre muitos outros igualmente pejorativo, passa a impressão para a sociedade de que todos as pessoas que forem presas têm direito a receber auxílio reclusão. Um equívoco, já que o benefício é pago ao (s) dependente (s) do preso.

O pagamento do auxílio-reclusão tem regras que limitam significativamente o público apto a recebê-lo.

Para que a família pleiteie o benefício é necessário que a pessoa presa trabalhe por pelo menos 24 meses antes da prisão, esteja preso em regime fechado (até 17/01/2019 era possível o pagamento no caso de prisão em regime semiaberto), não receba salário ou outro benefício do INSS durante a prisão e seja de baixa renda (receba remuneração de até R$1. 655,98).

Apenas se cumpridas essas exigências, o dependente do preso, comprovando a prisão do segurado, poderá requerer o recebimento de um salário mínimo mensal, valor máximo vigente a partir da promulgação da Emenda Constitucional 103/2019 – reforma da previdência.

Ocorrendo a fuga da prisão ou caso o preso passe a cumprir pena em regime aberto ou semiaberto o benefício é encerrado.

Em 2019, antes da reforma da previdência, o INSS pagou R$34,3 milhões a título de auxílio-reclusão. Já em 2021, até o mês de novembro, foram pagos R$28,5 milhões.

São 22.647 auxílios-reclusão concedidos em 2021, diante de uma população carcerária que supera 680 mil detentos.

O valor de R$28,5 milhões desembolsados até novembro de 2021 corresponde a 0,06% dos benefícios pagos pela previdência social. O valor é ínfimo, sobretudo, quando se compara aos R$16,5 bilhões de emendas de relator e orçamento secreto constantes no orçamento de 2022, rubrica que não recebeu qualquer veto do Governo.

É, no mínimo, inusitado que o Governo aponte o fim do auxílio-reclusão como matéria prioritária para a grave crise de segurança pública enfrentada pelo país. Se aprovada, essa medida não contribuirá em nada para a redução da criminalidade.

Todavia, é certo que alguns milhares de famílias de baixa renda deixarão de receber o benefício e, certamente, se somarão aos outros mais de cem milhões de brasileiros que enfrentam algum grau de insegurança alimentar.

O fim do auxílio-reclusão é um debate enviesado, ideológico e discriminatório em um país que, tradicionalmente, aprisiona pessoas pobres e pretas.

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