Pensar Piauí

FHC diz que arrepende de não ter se aproximado de Lula e que é preciso reencantar a democracia

FHC diz que arrepende de não ter se aproximado de Lula e que é preciso reencantar a democracia

Em uma longa entrevista ao blogueiro da Folha Fernando Grostein Andrade publicada na última terça, 06, o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso, que é testemunha de defesa do ex-presidente Lula na Operação Lava Jato, falou do atual momento político brasileiro, do impeachment de Dilma, de Bolsonaro, Temer, intervenção federal no Rio de Janeiro, partidos políticos e muito mais. Uma entrevista que deve repercutir nos próximos dias e trazemos aqui alguns trechos:
"Se eu pudesse reviver a história eu tentaria me aproximar não só do Lula, mas de forças políticas que eu achasse progressistas em geral. Que ajudasse a governar. E acho que o PT deveria ter feito a mesma coisa. Estou dizendo, fui lá almoçar. Eu gosto de Fernando Haddad, vou votar no Fernando Haddad se ele for candidato? Não vou, mas eu tô dizendo que ele é uma pessoa correta."
Sobre Lula, Fernando Henrique reafirmou sua importância como líder político, mas disse que ele errou ao se aproximar de forças políticas tradicionais. "O Lula veio bem de baixo. Eu conheci o Lula na casinha dele, operário. Ele e a Marisa. Estive na casa dele mais de uma vez. Jantei com Lula lá perto do sindicato. Participei das greves, todo esse negócio. O Lula vem daí e ele é um negociador, um líder sindical. Nunca foi de esquerda, não foi mesmo. Nem de direita. Era um homem pragmático que tinha um lado que era o lado do sindicato. (...) Acho que a cabeça do Lula mudou. Um exemplo simples: Quando eu terminei o governo, estava inimistado com a maioria dos líderes locais. Que eram patrimonialistas, os chefes locais. Que com o tempo foram rompendo porque fui tentando afetar aqui, afetar ali. O Lula, quando terminou o governo dele, ele trouxe o Sarney para São Bernardo. Eu sou amigo do Sarney e gosto dele, uma pessoa agradável, fomos colegas na Academia de Letras. Também fez suas coisas positivas e negativas assim como eu. Mas o Lula, simbolicamente, se juntou com a política mais tradicional do Brasil. Ele veio em nome do novo. Ele fez algo de novo, mas ele se juntou com a política mais tradicional. Isso não foi bom. Seria melhor que tivesse se marcado mais".
E mais: "Não quero fazer crítica ao Lula, principalmente na situação em que ele se encontra agora. Mas o que eu acho lamentável é que ele, tendo acesso mais amplo a setores, a base da sociedade, ele não tivesse sido mais didata. Ele fosse mais eleitoreiro nessas coisas. Mas enfim, cada um faz o que quer. Não quero jogar toda a responsabilidade no Lula e no PT. Todos nós temos uma parte, uma responsabilidade".
Questionado sobre o julgamento político que está sendo feito ao ex-presidente, ele respondeu: "Eu não diria a mesma coisa, que ele é o capeta. Mas eu acho que ele tem muitos processos. Vários. 5, 6… Eu só tomei conhecimento de um. Que era uma acusação da questão do instituto Lula, dos documentos que ele recebeu e eu fui em defesa. Então não tem sentido fechar o documento do Lula. Eu acho errado. E ele foi absolvido, nesta parte. Agora eu não sei o resto, porque não li. Eu sou prudente. “Ah, porque o sítio do Lula… O apartamento do Lula…,” Mas eu não vi", declarou.
E criticou o PT por tentar desmoralizar a justiça e pelo sentimento de vingança. "Acho também que uma vez que a justiça julgou primeira, segunda, terceira, você tem que respeitar. Eles não são malucos também. Você não pode fazer o que o PT tenta fazer. Desmoralizar a justiça. Sobra o que? Agora não é meu estilo ficar jogando pedra no adversário, muito menos no Lula. Acho que esse sentimento de vingança tá muito errado. Muito ruim na política. O que ele fez ou não fez a justiça é quem vai julgar".
Fernando Henrique destacou ainda que o impeachment é sempre traumático e que é contra o sistema presidencialista. Criticou a quantidade de partidos políticos existentes no Brasil. "Então hoje nós temos 28 partidos. Não há 28 posições ideológicas no mundo. Não são partidos, são agregados de pessoas que tem interesse e usam o tempo de televisão, o recurso que vem do governo para eles, e pedaço do poder. Então virou uma colcha de retalhos. É um erro institucional. Enfraquece a democracia, o povo olha e não gosta".
Para ele, vivemos uma democracia mas a cultura brasileira não é democrática. "E é mais difícil mudar nossa cultura do que mudar as instituições. Qual é a cultura que não é democrática? É a cultura do favor, do compadrio. Isso resulta, no nosso caso, em corporativismo e em patrimonialismo. Porque nossa cabeça é corporativista. A nossa cultura é assim. E a ideia que está expressa na constituição, como é normal em qualquer democracia. “Todos são iguais perante a lei” é só uma ideia, não é a pratica. É uma mudança de comportamento. Os abusos que nós assistimos no Brasil tem a ver com instituições e também com abuso de comportamento. Impunidade". Mais a frente fala de si: "Eu ainda tinha na casa de meus pais, meus avós, pessoas que tinham sido escravos do meu bisavô. Ou filhos de escravos do meu bisavô. Imagina o que pesa isso na cabeça e comportamento das pessoas. Eu sou de uma geração em que não era de bom tom que um menino jovem falasse, especialmente sendo homem, se dirigisse aos empregados. Dizia em abstrato o que você quer, e eles vêm e te servem. Mudar essa cabeça é muito complicado", exemplificou.
"REENCANTAR A DEMOCRACIA"
Para Fernando Henrique, é preciso reencantar a democracia. Como é possível isso? Ele mesmo indaga e responde: "Nós estamos precisando de novo falar com o país. Precisamos de uma liderança democrática que seja capaz de dizer: “Olha, chegou um ponto que não dá mais” não dá mais na segurança, não dá mais na questão de distribuição de renda, que você mencionou, não dá mais na questão de desigualdade da escolarização. (...) E isso precisa de que? Liderança. Não há democracia sem líder. Em nenhum lugar do mundo. (...) Tem que conversar. Somos 210 milhões de habitantes. Quantos países tem isso? 7, 8? É uma tremenda responsabilidade. (...) Dá pra manter essa desigualdade social que temos no Brasil? Não dá. Nós já somos um país suficientemente rico para dividir um pouco. Como é que vai dividir? Tem que negociar. Vão matar o negócio? Se matar o negócio você mata a galinha dos ovos de ouro. Não é para matar o negócio. Mas se o negócio vai parar tudo, ou se o governo vai virar um instrumento para dar dinheiro pra bandido, também não pode. Ou para o próprio partido, também não pode", afirma.
E conclui: "Eu acho que estamos num momento que é preciso que tenha uma liderança democrática com visão social e progressiva. Que veja o mundo. As tecnologias que mudaram completamente. Isso muda tudo. O mundo. E os partidos sindicatos são organizações do mundo do passado. Não tem outro ainda, não tem. Vai ter outro? Não sei, mas tem que se abrir. Tem que se abrir. Se não se abrir vai ficar no passado. Que foram os partidos organizados para apresentar interesse de classes. As classes são fragmentadas. Sociedade brasileira é fragmentada. Muita desigualdade social, têm ocupações que não existiam antes. Têm ocupações que ainda não existem. É outro mundo. E o político ainda pensando no mundo anterior. Esse é o nosso problema."

ÚLTIMAS NOTÍCIAS