Oscar de Barros

A máscara caiu: Hugo Motta e o teatro da responsabilidade fiscal

Motta defende a responsabilidade, mas seu discurso é afinado com os interesses mais conservadores do sistema financeiro


Reprodução A máscara caiu: Hugo Motta e o teatro da responsabilidade fiscal
O presidente da Câmara está a serviço do rentismo e de interesses corporativos

Um dia depois de participar de reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, adotou um tom mais prudente ao comentar as propostas apresentadas pela equipe econômica. A declaração foi feita durante seminário realizado nesta segunda-feira (9) em São Paulo, voltado à análise da situação fiscal do país.

A fala do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), sobre a medida provisória que substituirá o aumento do IOF é menos um gesto de responsabilidade institucional e mais uma encenação calculada para manter o jogo de interesses que realmente sustenta o centro do poder em Brasília. Sob o manto da "preocupação com a governabilidade" e da "necessidade de cortes de gastos", Motta opera para garantir que o peso do ajuste fiscal continue recaindo sobre o Executivo — enquanto o Congresso preserva, intocado, seu próprio aparato de privilégios, benesses e acesso a emendas parlamentares bilionárias.

O falso distanciamento e a retórica vazia

Quando Motta declara que “não há compromisso do Congresso de aprovar as medidas que vêm na MP”, ele tenta simular uma postura de independência diante do governo, mas na prática está apenas comprando tempo para preservar os interesses do mercado financeiro, para quem toda solução passa por arrocho fiscal, corte de subsídios sociais e aumento da carga tributária sobre setores produtivos — desde que não atinja os grandes rentistas. Seu discurso, repleto de jargões como "calibragem", “agenda estruturante” e “crescimento das despesas obrigatórias”, serve mais como um sinal aos bancos e fundos de investimento do que como um compromisso real com o equilíbrio das contas públicas.

Não é coincidência que os cortes exigidos por Motta não incluam as generosas isenções tributárias concedidas a setores com forte lobby no Congresso ou os privilégios orçamentários que alimentam as emendas de relator, hoje o verdadeiro coração pulsante da política parlamentar brasileira. O presidente da Câmara fala em revisar isenções, mas não se compromete com metas, prazos ou alvos concretos. Cobra do Executivo, mas omite o papel do próprio Legislativo no descontrole fiscal.

A "responsabilidade" que serve ao rentismo

Motta se vende como porta-voz da responsabilidade, mas seu discurso é afinado com os interesses mais conservadores do sistema financeiro. A defesa do “corte de gastos” ignora deliberadamente a composição do orçamento: não se trata de cortar mordomias do alto escalão ou revisar subsídios regressivos, mas de preparar o terreno para redução de investimentos sociais, desmontes silenciosos e novas rodadas de austeridade disfarçada. Enquanto isso, o mesmo Congresso liderado por ele rejeita discutir taxação de lucros e dividendos, amplia brechas para o agronegócio e o setor financeiro, e mantém escandalosas renúncias fiscais.

A crítica ao aumento de impostos como o do IOF e das alíquotas sobre apostas esportivas vem embalada como uma defesa dos consumidores ou do “custo do crédito”, mas é, no fundo, a proteção dos setores que lucram com a financeirização da economia — especialmente fundos, bancos e empresas que operam nos paraísos fiscais da legislação tributária brasileira. Motta age como representante direto desse setor, travestido de liderança republicana.

O papel do Congresso: entre chantagem e captura orçamentária

Ao lado de Davi Alcolumbre, Motta tenta construir uma imagem de racionalidade e equilíbrio institucional, mas na prática exerce a velha política de chantagem fiscal:  se as emendas não estiverem garantidas, Câmara pautará cortes orçamentários no social. Só se aprovam medidas de compensação se não afetarem interesses dos financiadores da casa. A nova MP é mais um capítulo dessa barganha, em que o Legislativo cobra espaço, poder e blindagem orçamentária, enquanto o Executivo tenta evitar um novo colapso fiscal.

A conversa de Motta sobre “governabilidade” serve apenas para desviar o foco de sua real intenção: manter o Congresso como bunker de autopreservação, intocável por qualquer tentativa de ajuste. Quando ele afirma que “o governo não estava disposto a debater as pautas estruturantes” e que agora o Congresso o obrigou a isso, tenta se apropriar de um protagonismo que nunca lhe pertenceu de fato — e que, quando exercido, serviu unicamente para reforçar os interesses das elites econômicas que sustentam a atual correlação de forças em Brasília

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