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Arnaldo Jabor, da esquerda festiva à direita rancorosa, por Luis Nassif

Na época das passeatas de 2013, pouco antes de serem tomadas pela direita, Jabor soltou um comentário que quase me fez bater o carro

Foto: DivulgaçãoArnaldo Jabor
Arnaldo Jabor

 

Por Luis Nassif, jornalista, no GGN 

Assisto na Globonews o comentário emocionado do grande Silvio Tendler sobre Arnaldo Jabor, falecido hoje. Fala mais sobre Jabor cineasta. Mas transpõe para o trabalho jornalístico a mesma personalidade do cineasta, supostamente fruto do questionamento que sempre imprimiu em seu trabalho de cineasta.

Coloca o Jabor jornalista como sendo animado pelo mesmo inconformismo de Jabor cineasta. E explica sua guinada para a direita como reação contra a ascensão do petismo, que jogou para segundo plano a vanguarda de esquerda do período anterior.

O depoimento mostra que Jabor dominava a arte de conquistar amigos, mas não reflete bem o seu papel no jornalismo.

Nos anos 90, Paulo Francis havia deixado marca no jornalismo. Era o intelectual de direita, crítico, ferino, radicalmente irresponsável, fustigador dos bordões da esquerda. Sua morte deixou um vácuo, que Jabor se apressou a ocupar.

Ainda no governo Collor, conseguiu sucesso rápido, com algumas crônicas clássicas, em que emulava grandes cenas trágicas, nelsonrodriguianas, para descrever a agonia de Collor.

Em pouco tempo, mostrou-se à altura de Francis. E viveu alguns momentos gloriosos. Foi uma de suas crônicas que inspirou uma ação do Ministério Público Federal contra a Rede Record, por seus ataques às religiões afro.

Mas, nos anos seguintes, foi tragado pelo sucesso. A exemplo de outros jornalistas, passou a seguir os ventos da opinião pública, na mesma época em que uma capa da revista Veja, contra o desarmamento, inaugurou oficialmente a era do jornalismo de ódio. 

Ao lado de Jô Soares, Jabor foi dos primeiros a perceber o preconceito da classe média contra os novos emergentes que vinham das classes D. Gradativamente, o preconceito passou a envolver suas crônicas e, paralelamente, a aumentar seu prestígio junto ao público do chamado mercado. Foi um dos pioneiros do estratagema de transformar preconceito social em crítica política.

Não era uma crítica focada nos erros da nova esquerda, mas assimilando todos os preconceitos da velha direita, e da classe média – da qual o cineasta Jabor era crítico -, assim como as crônicas de Danusa Leão que denotavam profundo desprezo pelo popular, pelo vulgar, como o mote central para atacar os novos tempos.

Caiu como uma luva junto ao mercado.

Passou a ser muito requisitado para palestras, seminários. Mais de uma vez, pesquisas de grandes assessorias de comunicação colocaram Jabor como um dos três jornalistas mais apreciados pelo mercado. Tornou-se o rosto preferido da Globo para exercitar o anti esquerdismo mais primário e radical. Seu público era o mesmo que xingou Dilma de fdp na inauguração do estádio do Corinthians. 

Quanto mais sucesso, mais se tornava prisioneiro do seu público e mais recorria ao preconceito de classe.

Sobreveio, então, uma competição pesada com outros atores que surgiram, embalados pela onda da ultradireita: os comediantes de stand-ups, os primeiros influenciadores, novos cronistas de ódio que passaram a infestar o mercado jornalístico. Chegou a ser patrulhado por Reinaldo Azevedo, em disputa risível para ver quem levava o título de novo rei da direita. 

E aí tornou-se difícil para Jabor, um cronista sofisticado, competir com as baixarias que ajudou a gerar. Teve que se curvar aos novos tempos, baixar o nível para enfrentar os novos competidores no terreno pantanoso no qual o jornalismo se meteu. 

Jogou fora o talento dos primeiros anos de cronista e enveredou  pelo anticomunismo mais primário.

Na época das passeatas de 2013, pouco antes de serem tomadas pela direita, Jabor soltou um comentário que quase me fez bater o carro – estava em viagem para Minas Gerais. Disse que o comunismo não acabou com o fim da União Soviética. Explodiu e se transformou em milhares de fragmentos que invadiam o cérebro das pessoas, contaminando-as.

Na sequencia, chamou o movimento pelo passe livre de ”30 centavos de merda”. Ironizei a fala com minha companheira Eugênia.

Quer apostar como amanhã ele vai começar a elogiar os movimentos de rua?

De fato, Jabor ainda não se dera conta que a direita estava tomando as rédeas do passe livre. No dia seguinte, passou a elogiar as passeatas.

Nos últimos anos, tornou-se solitário, chamando a atenção de seus vizinhos do prédio, por pouco sair do apartamento ou receber visitas.

Sintomaticamente, hoje, as recordações e homenagens lembram o grande cineasta que foi.

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