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Apertando o gatilho: Polícia para matar ou proteger?

Uma reflexão feita no momento da exoneração do comandante da Polícia Militar de Picos

Foto: cidademodelo.comUsando a farda para fazer política
Usando a farda para fazer política

Qual o verdadeiro papel da polícia: matar ou proteger? Constitucionalmente, conforme artigo 144, a segurança pública é um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e é exercida para a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Mas as estatísticas são estarrecedoras: a polícia brasileira é responsável por uma em cada dez mortes violentas no Brasil e, anualmente, mata mais de 6 mil pessoas (culpadas e inocentes). Estrito cumprimento do dever legal, legítima defesa ou abuso de autoridade?

A reflexão se faz oportuna no momento em que o comandante da Polícia Militar de Picos, Edwaldo Viana, declara em entrevista à imprensa que a polícia deve “descer as cordas” nos assaltantes que mataram um empresário da cidade. Nessa terça-feira, 07, o Governo do Estado decidiu exonera-lo e, nas redes sociais, o assunto gerou polêmica, com declarações favoráveis e contra a decisão do governo.

Os favoráveis defendem o estado democrático de direito e consideram a vida um direito inviolável. Alguns citam em seus argumentos inclusive a religião. Os que se declaram contra a decisão do governo fazem parte da ala dos 57% da população brasileira, que em 2016 afirmaram à pesquisa Datafolha que "bandido bom é bandido morto". Os dados fazem parte do 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Outro dado preocupante é que a polícia também está impregnada de racismo institucional: mata-se mais homem, negro e pobre. “Eu venho da periferia de São Paulo, sou do extremo leste, do bairro de Guaianazes. E essa política de segurança pública entende que eu devo combater, exterminar um inimigo e esse inimigo, que eles inventam, é exatamente o cara que nasceu no mesmo bairro que o meu, que tem o mesmo histórico de vida que eu. Então, não tem como não adoecer”, complementa Alexandre Félix Campos, investigador e militante do movimento Policiais Antifascistas, que tem ganhado projeção nacional.

Em seu manifesto, o Policiais Antifascismo defende, entre outros pontos, a reestruturação da carreira policial, o fim da política de guerra no combate ao crime e às drogas, e uma política de segurança pública que ouça os policiais da base, ou seja, aqueles que estão nas ruas todos os dias. 

Alexandre Campos critica os nortes que, segundo ele, guiam a segurança pública brasileira: a militarização e a criminalização. “Policial não tem que agir no combate ao inimigo. A polícia é uma parte integrante da gestão da cidade. A polícia tem que atuar como cidadão. Garantindo os direitos alheios e os seus direitos. Infelizmente essa não é a nossa realidade. A nossa realidade é uma simulação de guerra”, pontua ao El País.“Foram necessários 15 anos trabalhando como policial para Alexandre entender que estava doente e precisando de ajuda.

O sonho que ele almejava desde pequeno passou a confrontar valores dos quais ele mesmo fazia parte. Filho de pai motorista e mãe dona de casa, o investigador não conseguia entender como alguém com as mesmas características que as suas era considerado inimigo do Estado”, observa a reportagem.

Esse ”estrangulamento dos policiais pelo próprio sistema que os produz” também é identificado no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, cujos autores Elisandro Lotin de Souza e Micheline Ramos de Oliveira inserem a categoria policial dentro de um esquema complexo de manutenção de uma ideologia de Estado. Dados da publicação mostram que a taxa de suicídio entre policiais aumentou 42,5% em comparação a 2017 e em mais de 80% dos casos usam as próprias armas.

Rogério Giannini, presidente do Conselho Federal de Psicologia, acredita que uma polícia menos armada é um modelo a ser seguido. “Eu creio que quando nós olhamos para outras experiências de outros países, em sociedades mais equânimes, mais justas, com polícias não armadas, você tem tanto índice de violência como índices de suicídio mitigados”, explica. “A violência tem que ser exceção na sociedade e não regra”, acrescenta.

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