Pensar Piauí
Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

Antonio José Medeiros

Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

Democracia para sempre

Foto: DivulgaçãoLula
Lula

 

​A frase do título é do Lula, em seu discurso de posse no Congresso Nacional. Foi uma mensagem para todos os que participaram de sua campanha, para os que estão concordando em participar do governo e para o amplo espectro das forças políticas da sociedade, inclusive as não- democráticas.

​Seu sentido imediato: fizemos uma aliança tática nas eleições contra o bolsonarismo; estamos construindo uma aliança política para reconstruir e avançar rumo a um Brasil mais democrático, justo e com desenvolvimento sustentável.

​Seu sentido mais profundo: o PT se coloca no campo da esquerda entre aqueles que defendem a Democracia como um valor universal. Universal no sentido de que vale para todos os países e para todas as épocas, a partir da modernidade.

​Essa formulação se consolidou na esquerda desde os anos 1970, com a Revolta Estudantil de 1968; com a cristalização-crise-colapso do tipo de socialismo autoritário de partido único na União Soviética e no Leste Europeu; e com o enfrentamento das ditaduras na América Latina. A argumentação histórica e teórica é bastante consistente.

​Desde a Independência Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789) algumas ideias ganharam força entre as elites e entre as massas: soberania popular, declarações de direitos do homem e do cidadão. Ideias que chegaram ao Brasil e, com maior ou menor eficácia, aomundo todo. São patrimônio da civilização contra a barbárie.

​A esquerda, antes de Marx, partia dessa ideia, ao defender a democracia social, como complemento necessário da democracia política.

​Com a crescente influência do pensamento de Marx na esquerda, o debate ganhou novos termos. Marx fazia uma crítica filosófica aos conceitos de democracia e de direitos humanos, por serem uma abstração idealista. Marx fazia também uma crítica política a essas ideias por serem usadas como ideologia manipuladora para a camuflar a dominação e exploração econômica. E, coerente com sua teorização de dominância da base econômica, via a democracia burguesa - onde a hegemonia do capital é evidente - como ditadura de facto.

​Foi Lênin quem levou a tese de que toda dominação política numa sociedade de classes é ditadura a uma formulação mais explícita. Assim, em oposição à ditadura da burguesia ou do capital, ele via o socialismo, em sua fase de implantação, como ditadura do proletariado. A experiência da União Soviética reforçou essa elaboração. E o mais grave: se tornou também uma abstração, pois aditadura do proletariado de facto tornou-se uma ditadura do Partido único; essa é a crítica filosófica de Marcuse.

​Logo após a vitória da Revolução Russa, a esquerda e centro-esquerda intensificaram esse debate sobre a democracia e ditadura do Proletariado. O debate levou inclusive a um grande racha, institucionalizados na Segunda (Socialista) e na Terceira (Comunista) Internacionais.

Rosa Luxemburgo, uma revolucionária autêntica, que foi assassinada em 1919 (apenas dois anos após a Revolução Russa), defendia um regime político com participação das massas e temia que na Rússia, elas fossem politicamente excluídas; os sovietes foram sufocados pela burocracia partidária e estatal e a discordância estava sendo reprimida, inclusive entre as correntes de esquerda.  Kautsky e Bernstein, teóricos e líderes da esquerda alemã, foram críticos ferrenhos dos aspectos ditatoriais da experiência soviética, além de críticos da implantação do socialismo em único país (e ademais atrasado). Uma posição muito sensata foi a dos austro-marxistas Victor Adler e Otto Bauer, simpáticos àrevolução russa e críticos do reformismo da Social-Democracia, que consideravam a regime soviético como “socialismo despótico”. Vários volumes da História do Marxismo, organizada por Eric Hobsbawn, documentam esse debate.

Trotsky, simpático à ditadura do proletariado, via também a União Soviética degenerando para o domínio daburocracia partidária e estatal. Liderou inclusive a criação de uma Quarta Internacional. E fazia uma distinção entre marxismo, leninismo e stalinismo, tendo como um de seuselementos diferenciadores a ortodoxia, a repressão generalizada, chegando o terror.

A ideia de democracia popular procurou redefinir a ideia de ditadura do proletariado, nos países onde o proletariado não era a classe predominante, e no clima democratizante após a derrota do nazismo e do fascismo.

Ou seja, a questão democrática sempre foi colocada por setores da esquerda. o.

​O PT precisa deixar muito claras as suas posições na defesa da Democracia como valor universal. E precisa ampliar esse debate para suas bases militantes e para os simpatizantes mais politizados. Sei que há grupos no PTque ainda namoram o marxismo ortodoxo. Mas, como partido de massa que estará sempre disputando a direção política do estado brasileiro, não pode haver ambiguidade.

A extrema direita, autoritária ou fascista, usa o conceito de liberdade de modo abstrato e ideológico para desqualificar a esquerda. E nesses tempos de fakenewsressuscita o fantasma de um comunismo que se desagregou; e vê conspiração quando não há mais nenhuma estratégia internacional orgânica liderada ou apoiada por um país que adote o socialismo despótico.

O projeto do Brasil que queremos é do povo brasileiro, que precisa ser cada vez mais definido e defendido, num processo democrático, necessariamente conflitivo. No plano internacional, nossa posição é de relação diplomática com todos os países. 

No final do século XX, e a China conseguiuconsolidar um modelo de desenvolvimento nacional como a Alemanha, os Estados Unidos e o Japão fizeram no século XIX. O Brasil conhece essas estratégias; falta vontade e força política para implementá-las. Os BRICS e alguns dos países do G20 são os potenciais candidatos a romperem a situação de dependência e subdesenvolvimento.

Por outro lado, não faz mais o mínimo sentido o bloqueio americano a Cuba. As Nações Unidas vêm condenando essa medida há alguns anos. A Venezuela vem enfrentando sanções e está com uma economia em profunda crise. Precisa de solidariedade, assim como Cuba, para superar seus desafios.

Posições claras do PT, da esquerda e da centro-esquerda limitam a manipulação ideológica e às vezes delirante da extrema direita, no Brasil, nos Estados Unidos e no Mundo. Democracia para sempre.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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