Pensar Piauí
Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

Antonio José Medeiros

Sociólogo, Professor aposentado da UFPI

Centrão, casa-grande, esquerda e direita

Foto: PensarPiauiCentrão, casa-grande, esquerda e direita

Não é fácil analisar os resultados de eleições municipais, numa República Federativa, com uma União Federal, 27 Estados-membros (DF incluído) e 5.575 Municípios. O sonho de todos nós é justamente descobrir as articulações entre esses diferentes níveis, até para perceber que luzes estão lançadas para frente. Mas vamos com calma. Na passagem do municipal para o estadual e o nacional, há refração da luz. E mais: muitas noites e muitas manhãs ainda se alternarão até a próxima eleição.

A perspectiva do desempenho dos partidos políticos tem uma merecida centralidade. As siglas partidárias têm o monopólio legal do registro de candidaturas para a disputa de votos. Todos sabemos, porém, que a maioria dos partidos tem a natureza de “ajuntamentos” eleitorais não-programáticos e “muitos políticos mudam de partido como quem muda de camisa” (escuto isso há pelo menos 40 anos. rsrs).

Por isso é preciso ter cautela na análise que privilegia as categorias Esquerda, Direita, Centro, Extrema-Esquerda, Extrema-Direita, Centro-Esquerda e Centro-Direita. Essa classificação faz sentido: nas cidades maiores, para certos setores sociais, para as políticas públicas e na disputa nacional; mas eleições municipais têm lógica própria.

Só um pequeno exemplo do Piauí: dos 83 prefeitos eleitos pelo PP-Progressistas 10 (dez) tiveram como Vices filiados do PT; e outros 10 (dez) progressistas eleitos tiveram o PT na coligação. Esses votos, quase certo, não estarão juntos em 2022. E mais: essa coligação é de centro-esquerda ou de centro-direita? Ou é algo diverso?

Onde acompanhei a eleição mais de perto, percebi os ecos do gabinete do ódio bolsonarista, um antipetismo mais amplo e o peso da avaliação da administração estadual. Mas o forte mesmo era a avaliação do desempenho do prefeito que terminava o mandato, a disputa entre as lideranças (chefes) políticas tradicionais, a contabilidade de quem apoiava quem (sobretudo os vereadores com mandato, tidos como “donos de votos”) e... quem tinha mais dinheiro.

Numa eleição municipal “solteira”, em época de pandemia, essas velhas marcas da política brasileira mostraram que ainda têm fôlego. Ou mais grave: que estão contaminando as práticas da Esquerda e da Centro-Esquerda e se reconciliando com a direita bolsonarista ideologizada.

É claro que essa política nas bases é “teúda e manteúda” também por políticos de atuação estadual e federal; eles são patrocinadores do clientelismo. Em toda eleição municipal, já começa o troca-troca de apoio a estaduais e federais

Meu argumento é que a vitória nessas eleições foi da Política Clientelista Tradicional. Por suposto, ela pode até ser considerada de direita. Mas é uma “prática cultural com raízes histórico-estruturais” (na boa linguagem de Florestan Fernandes). Ou deciframos essa “esfinge” ou ela continuará a devorar a soberania popular, a representação política autêntica e a bloquear/deturpar as tentativas das esquerdas de fazerem diferente.

É em suas raízes sociais que devemos buscar o crescimento do número de prefeitos e vereadores eleitos pelo Centrão: PP (685 eleitos), PSD (656), DEM (465), PL (345), Republicanos (211), para ficar apenas nos maiores e que cresceram; também o PTB (212, que decresceu um pouco).

Uma distinção é importante: o Centrão é a Casa Grande; o Paulo Guedes é o Capital Internacional. São manifestações diferentes da Direita.

O capitalismo agride os direitos sociais; e procura enfraquecer ou tutelar a organização dos assalariados. A Dominação Social Tradicional agride os direitos políticos (voto livre) e mantém vulneráveis os próprios direitos civis, como na época da escravidão. As pessoas, sem condição de sobrevivência material, não fortalecem sua autoestima e se tornam dependentes. O campo continua então aberto para o voto de favor ou o voto diretamente comprado. Jessé de Sousa mostra muito bem esse processo (A Construção da Sub-cidadania).

Não é uma questão apenas de nível educacional. É também de nível de renda e de qualidade dos serviços públicos. A necessidade das pessoas pobres as obriga a entrar nesse jogo. A necessidade cria o costume e o costume se torna cultura, mesmo quando a necessidade não existe mais para algumas pessoas.

Sobretudo a precariedade dos serviços de saúde é a grande arapuca eleitoral, atualmente. Ou resolvemos essas questões (renda e saúde), numa progressão mais acelerada e consistente, ou o clientelismo continuará imperando.

Tenho mais dificuldade de ver o caminho da reforma política, que seja viável. Em 1982, tivemos eleição para vereador, prefeito, deputado estadual e federal e senador (não se votava para governador e presidente da república).  E o voto era vinculado: ou se votava no mesmo partido ou o voto era  anulado. O pressuposto da Ditadura era que a vinculação municipal puxava o voto para as forças tradicionais, até porque estávamos ainda na transição do Coronelismo para o Clientelismo. A dissertação de mestrado de Francisco Farias, professor da UFPI, é sobre essa temática.

Toda vez que se discute a unificação de eleições municipais com as estaduais-federais, essa polêmica volta. Os argumentos mais aceitos são os de que se evita um gasto duplo e não se atrapalha a administração com um ano eleitoral no meio dos mandatos. Mas, há sempre quem se preocupa com a “puxada pra trás” pelas forças tradicionais do município. Apesar da experiência de 2020, acho que isso só pesa mais em eleições municipais “solteiras”. Por isso defendo que se unifiquem os pleitos.

A experiência do voto em lista partidária tem se mostrado positiva em muitos países. Fico preocupado quando se começa a argumentar contra a vedação de coligação proporcionais. De fato, nos municípios menores, para eleger um representante o partido precisa ter pelo menos 10% dos votos, um percentual alto. Mas estou convencido de que este é o caminho. Sem um debate amplo é difícil convencer as pessoas. As esquerdas topam priorizar uma reforma política em torno de quatro ou cinco pontos?

O financiamento público de campanha começou. Está mais fácil discuti-lo.  As eleições de 2020 mostraram que para campanhas de candidato e não de partido, a pulverização o torna inócuo. Vamos discuti-lo, pois o clientelismo é uma das raízes do caixa 2. Precisamos discutir isso sem moralismo.

Concentrei meu argumento em alguns poucos pontos que acho cruciais. Frente de Esquerda ou Frente Ampla sem reforma política é só meio caminho andado. A preocupação apenas com coligações sem programa, dá sobrevida ao clientelismo.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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