Whindersson Nunes, o gosto popular e a indigência intelectual, estética e humorística
O ponto, no entanto, não é Nunes. É o discurso de que é preciso consumir tudo o que "o povo gosta"
Por Luís Felipe Miguel, professor, no facebook
No domingo, Antônio Prata publicou uma coluna em que basicamente dizia que a esquerda perdeu a capacidade de se conectar com o povo porque não assiste aos vídeos do Whindersson Nunes.
Eu nunca assisti. Mas, depois de ler o texto, catei o canal dele no Youtube, que tem espantosos 44 milhões de inscritos, e tentei ver três vídeos, ao léu. Não aguentei mais do que dois ou três minutos de nenhum. Em geral já não gosto de stand-up, mas, no caso, achei tudo de uma indigência intelectual, estética e humorística particularmente pronunciada.
Talvez o conteúdo disponibilizado na Netflix, que o Prata viu e aplaudiu, seja melhor - mas duvido muito.
O ponto, no entanto, não é Nunes. É o discurso - que o colunista da Folha ecoa, mas que é muito frequente - de que é preciso consumir (e apreciar) tudo o que "o povo gosta".
Como se esse gosto, aliás, representasse uma "alma popular" autêntica, não o que a indústria cultural empurra.
Caso contrário, você será culpado do pecado indesculpável do "elitismo".
Neste caso, julgar e cancelar uma pessoa pelo seu consumo cultural - "elitista" - está liberado.
Bom, eu confesso a vocês: acho o humorismo de TikTok, que vejo ser o alimento espiritual de tantas pessoas, um lixo. Acho os blockbusters hollywoodianos um lixo. Acho a música de Anitta, Luísa Sonza e Pablo Vittar um lixo. Acho os best-sellers de autoajuda, incluindo aí os "progressistas", um lixo. E por aí vai.
Mais ainda: acho a vida curta demais para gastar meu tempo num populismo estético estéril e na busca por me manter atualizado com o novo lixo do momento, para não correr o risco de "estar por fora".
Vou consumir o lixo que eu quiser, quando julgar divertido, não por uma má consciência de intelectual.
Enquanto isso, a esmagadora maioria dos meus alunos - estudantes universitários, de uma universidade federal, na capital do país - não sabem quem é Tolstói.
Não estou dizendo que nunca leram. É que nunca ouviram falar. Nem de Tolstói, nem de Miles Davis, nem de Monty Python, nem de Verdi.
(Cito estes quatro exemplos porque vieram à baila em aulas das últimas semanas.)
Não creio que alguém seja "inferior" por não apreciar algo que eu aprecio. (Só com mau gosto, não inferior...) Assim como me recuso a ser considerado inferior por não compartilhar das preferências majoritárias.
Mas acho triste que cada vez mais o cardápio de opções apresentado às pessoas se resuma àquilo que a indústria cultural impõe - e que, no afã de encontrar um atalho para o "popular", o pensamento crítico se exima de combater essa situação.
É isso mesmo que a gente quer? Abrir mão da familiaridade com os grandes monumentos da cultura humana para correr eternamente atrás dos hits do momento, por mais precários que sejam? O "último grito" da Globo, da Netflix, da Disney, do TikTok?
Como se essa produção massificada, empurrada goela a baixo das audiências, representasse uma via de conexão privilegiada com "o povo"?
Penso que, na verdade, elitismo é isso. É julgar que a massa é congenitamente incapaz de comer o biscoito fino.
Como se não adiantasse apresentar Jonathan Swift ou o Barão de Itararé a quem está condenado a gostar de Whindersson Nunes, Schubert ou Lupicínio Rodrigues a quem nunca vai passar de Bruno & Marrone.
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