Vício em apostas online tem interferido no acesso à educação superior no Brasil
Impacto das apostas online atinge principalmente classes mais pobres e já afeta também quem está matriculado no ensino superior

O vício em apostas online tem interferido diretamente no acesso à educação superior no Brasil. Segundo levantamento da Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), realizado em parceria com a consultoria Educa Insights, 34% dos jovens brasileiros entre 18 e 35 anos adiaram o início da graduação em 2025 por conta de gastos com apostas em plataformas conhecidas como "bets" — entre elas o popular “jogo do tigrinho”. Os dados foram divulgados pelo portal UOL nesta terça-feira (9).
O impacto é ainda mais severo nas regiões Nordeste e Sudeste, onde os índices sobem para 44% e 41%, respectivamente. Entre os jovens das classes D e E — cuja renda familiar gira em torno de R$ 1 mil —, 43% afirmam que precisarão abandonar os gastos com apostas para iniciar um curso superior em 2026. Entre os jovens da classe A, com renda média de R$ 26,8 mil, o número cai para 22%.
A pesquisa ouviu 11.762 pessoas entre os dias 20 e 24 de março. Para o diretor-geral da Abmes, Paulo Chanan, os dados revelam um cenário preocupante. “O impacto das bets vai além da captação de novos alunos, afeta a permanência dos que já estão matriculados”, afirma. Segundo ele, a evasão provocada pelas apostas é uma realidade crescente nas universidades. “A crescente popularização das bets impacta justamente o público-alvo da educação superior: brasileiros de 18 a 35 anos.”
Além de impedir o início dos estudos, as apostas também comprometem a permanência de quem já está na universidade: 14% dos alunos afirmaram ter atrasado o pagamento das mensalidades ou precisaram trancar a matrícula por causa do vício em bets. No Nordeste, esse índice sobe para 17%.
Com base nos dados, a Abmes estima que cerca de 986 mil potenciais universitários devem ficar de fora das instituições de ensino superior neste ano. O motivo principal é o comprometimento da renda desses jovens com os sites de apostas, que hoje dominam o tráfego online no Brasil — já são o segundo maior destino da internet, atrás apenas do Google, superando até YouTube e WhatsApp.
A pesquisa também revela que o problema se estende para outros aspectos da vida cotidiana. Entre os entrevistados, 24% afirmaram que deixaram de investir em academias ou atividades físicas para gastar com apostas, enquanto 28% disseram ter abandonado momentos de lazer, como idas a bares e restaurantes, por preferirem usar o tempo e o dinheiro nas plataformas de betting.
A crescente influência das apostas levou à instalação de uma CPI das Bets no Senado, que apurou os efeitos econômicos e sociais do setor.
Quem tem interesse nas BETS?
Ciro Nogueira é apontado como um dos principais aliados do empresário Fernando Oliveira Lima, o “Fernandin OIG”, dono de casas de apostas e responsável pela disseminação do jogo “Fortune Tiger”, mais conhecido como “jogo do tigrinho”. A relação entre os dois, revelada em reportagem da revista Piauí, inclui uma viagem de Ciro à Europa a bordo de jatinho privado de Fernandin, além de transações imobiliárias suspeitas envolvendo a empresa Ciro Nogueira Agropecuária e Imóveis, da qual o senador é sócio.
Segundo relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Fernandin adquiriu três imóveis em edifício construído pela empresa da família de Ciro, o que levanta suspeitas de conflito de interesses. O senador, por sua vez, disse desconhecer a negociação e atribuiu a gestão do negócio a seus irmãos. Ambos os irmãos já atuaram como seus assessores parlamentares.
Outro elo entre o senador e o empresário investigado é Victor Linhares de Paiva, ex-assessor de Ciro e atual secretário do prefeito de Teresina, Silvio Mendes (União). Entre dezembro de 2023 e setembro de 2024, Victor recebeu R$ 625 mil de Fernandin. O senador alegou que o valor seria relativo à venda de um relógio de luxo. Ainda segundo a reportagem, Victor teria repassado mais de R$ 30 mil ao próprio Ciro, o qual justificou como “reembolso” de uma hospedagem na Ilha de Capri, na Itália.
CPI enfraquecida, relatório ignorado
As conexões entre Ciro e Fernandin foram tema da CPI das Bets, instalada no Senado no fim de 2024 para investigar fraudes e irregularidades no mercado de apostas. Ciro Nogueira, mesmo sendo suplente, atuou diretamente nas sessões em que o empresário foi citado. Chegou a defender publicamente Fernandin, o descrevendo como “grande empresário” do Piauí. Quando a relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), propôs sua retirada da comissão para preservar a credibilidade dos trabalhos, Ciro resistiu e permaneceu como membro da CPI até seu encerramento.
Soraya, que relatou ameaças veladas e reforçou sua segurança pessoal, decidiu não incluir a íntegra dos documentos do Coaf no relatório final. Segundo ela, a omissão foi uma medida de proteção diante da escalada de intimidações. Mesmo assim, recomendou o indiciamento de Fernandin por suspeitas de lavagem de dinheiro e associação criminosa.
O relatório final, no entanto, foi rejeitado por 4 votos a 3 no Senado — uma derrota incomum para uma CPI. Entre os que votaram contra estão senadores ligados ao Centrão, como Angelo Coronel (PSD-BA), Efraim Filho (União-PB), Professora Dorinha (União-TO) e Eduardo Gomes (PL-TO), todos com vínculos políticos semelhantes aos de Ciro. O resultado evidenciou a blindagem política ao setor de apostas, enquanto o patrimônio de Fernandin disparava de R$ 36 milhões em 2022 para R$ 143 milhões em 2023.
Símbolo de uma elite blindada
A figura de Ciro Nogueira simboliza hoje não apenas a fusão entre política e interesses empresariais, mas também o esvaziamento de mecanismos de controle e transparência dentro do Congresso. Enquanto o povo clama por justiça tributária e responsabilização dos que lucram com o endividamento da população mais pobre, o senador do Piauí permanece no centro das articulações que enfraquecem fiscalizações e atacam medidas do Executivo voltadas à redistribuição de renda.
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