Arnaldo Eugênio

Um elogio ao machismo

Reflexões sobre a cultura machista e suas consequências devastadoras


Reprodução Um elogio ao machismo
Um elogio ao machismo

Por Arnaldo Eugênio, doutor em antropologia 

O machismo à brasileira é, por si, bizarro e asqueroso, sendo um dos mais sórdido e nefasto do mundo, onde, em alguns casos, sentir náuseas e ânsia de vômito é pouco. Por exemplo, o caso das questões de concurso público em Macaé-RJ, no Norte Fluminense, anuladas por causa de conteúdos machistas.

No Brasil, impôs-se uma “cultura do machismo” – enquanto uma prática social onde acredita-se que os papéis designados aos homens prevalecem em valor aos designados às mulheres – e da desigualdade de gênero, que resulta em violência de consequências devastadoras principalmente para os próprios homens. Tanto que eles cometem suicídio quatro vezes mais do que mulheres; estão mais expostos ao abuso de álcool e drogas; e são 95% da população carcerária no Brasil; padecem de baixa autoestima etc.

No caso das questões de concurso público em Macaé-RJ, realizado em 13/10/2024, numa das questões pede-se para assinalar a frase “que não contém uma crítica ao fato da mulher falar demais”. A situação é tão execrável que foram anuladas as questões 1 e 4 da disciplina Língua Portuguesa (do módulo I de conhecimentos básicos da prova tipo 3), aplicadas para os cargos de Professor A, Professor AEE e Professor A (Tradutor e Intérprete), a mais de 40 mil pessoas concorrendo a 824 vagas.

Mesmo a prefeitura (nas cidades de Macaé, Rio de Janeiro e Campos dos Goytacazes) dizendo “repudiar qualquer conteúdo ofensivo nas questões das provas do concurso”, isto não a isenta de coparticipação e de validação de um episódio repugnante, pífio e tosco: uma aberração machista. O que torna a ação mais nauseante e deprimente é que as questões da prova do concurso público foram contratadas e elaboradas por uma Banca Examinadora, até aqui confiável, a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A justificativa da FGV para a anulação das questões é “por não estarem alinhadas aos princípios da instituição". Mas, como acreditar. Será que não há uma revisão criteriosa dos cadernos de questões, para que o “inconsciente” dos seus elaboradores não se manifestem de forma tão infame, aviltante e ofensiva?

Neste caso, o “inconsciente dos elaboradores da FGV” autorrevela, pelo teor odioso das questões do concurso, o machismo estrutural já consolidado nos pensamentos e atitudes machistas que perpassam as relações na sociedade brasileira, suscitando que as instituições – p.ex. a FGV – e o próprio Estado (como as prefeituras em questão) funcionem de forma machista, sexista e misógina.

O machismo escrachado é tão ignóbil que a questão 1 pediu para o candidato assinalar "a frase que não contém uma crítica ao fato de a mulher falar demais". Noutra questão nefária, os candidatos tinham que analisar frases comparativas com as afirmações torpes: "mulher é como um defeito da natureza" e "as mulheres são como robôs: têm no cérebro uma célula de menos e, no coração, um célula a mais". Pasmem!

Esse machismo institucional é vil e indigno, sob todos os aspectos legais e morais, que se esconde atrás de uma falsa lisura do processo e dos critérios de confidencialidade das questões de prova, sendo restritas à Banca Examinadora (FGV), com plena anuência dos seus contratantes. Mesmo sob tal condição, é inaceitável que uma instituição, vista como “respeitável”, aplique uma prova de concurso com falas tão repulsivas, numa espécie de elogio ao machismo. 

Todavia, o ato da FGV anular as questões e das prefeituras reconhecerem a difamatória exposição das mulheres, não as isentam das responsabilidades de terem propagado, de modo leviano, o machismo institucionalizado, através de provas de concurso. Portanto, julgar a mulher como inferior ao homem é crime hediondo, regado de estereótipos e raiva.

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