Política

Sobre maconha, álcool, jogos, cigarros eletrônicos, STF e Congresso Nacional

Por Luis Felipe Miguel, no Facebook


Montagem Pensar Piauí Sobre maconha, álcool, jogos, cigarros eletrônicos, STF e Congresso Nacional
Sobre maconha, álcool, jogos, cigarros eletrônicos, STF e Congresso Nacional

Por Luis Felipe Miguel, no Facebook

O Supremo descriminalizou o porte de maconha para consumo próprio. A esquerda comemorou a decisão e a direita tenta usá-la como combustível para o pânico moral.

Não vou discutir se a decisão ultrapassa ou não a esfera da competência legítima do Poder Judiciário, uma questão importante e complexa, mas que tem sido deixada de lado – no que me parece ser um indício claro da degradação de nosso arcabouço institucional.

Nós nos limitamos a aplaudir os avanços do STF na pauta de direitos individuais ou na repressão à extrema-direita golpista e a nos resignar cada vez que ele endossa a retração dos direitos da classe trabalhadora, vista como manifestação inexorável do espírito do tempo.

No caso da maconha, a decisão promove um avanço inegável, mas também tem um lado bastante problemático.

Nunca fiz uso de maconha, não tenho simpatia pela droga e abomino certo discurso pretensamente “progressista” que enaltece seu consumo. Assim como, aliás, embora eu aprecie um vinho (e um uísque, uma cerveja etc.), abomino a glamourização da bebedeira.

Dois argumentos de peso sustentam a tese da legalização das drogas leves. O primeiro, de fundo liberal, diz respeito à autonomia do indivíduo. Não há porque proibi-lo de comportamentos que, a priori, atingem somente a si mesmo.

O outro é o de segurança pública. São bem evidentes os efeitos nefastos da guerra às drogas – aumento da violência, seja dos traficantes, seja da polícia; reforço de discriminações estruturais; corrupção dos agentes estatais.

Ao descriminalizar o porte para consumo, o STF inibe o arbítrio policial. Mas, ao não mexer na comercialização, deixa as portas abertas para o tráfico.

Seria necessário regular a comercialização, tal como feito em outros países, de maneira a proteger crianças e adolescentes, garantir a segurança dos usuários, recolher impostos e eliminar o tráfico.

O mesmo Congresso que se mostra tão escandalizado com a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal caminha para liberar o jogo no Brasil.

Poucos vícios são mais devastadores que o jogo. E a exploração de cassinos é estreitamente ligada ao crime organizado – lavagem de dinheiro, tráfico de mulheres, tráfico de entorpecentes.

Já a proposta de legalização do jogo do bicho significa, na verdade, a legitimação da fortuna e do poder de criminosos conhecidos, hoje vinculados às milícias do Rio de Janeiro

De fato, a liberação da jogatina já começou com a farra das bets, os aplicativos de apostas online que se tornaram grandes anunciantes, patrocinadores do futebol brasileiro, onipresentes nas plataformas sociodigitais, que não hesitam sequer em direcionar suas campanhas para o público infanto-juvenil.

Reportagem recente mostrou como influenciadores mirins fazem publicidade para as bets e como menores de idade estão entre suas principais principais vítimas.

O governo prefere recolher impostos destas empresas a enfrentá-las. É uma conta que não fecha. Nem estou falando do custo social, que é altíssimo. A conta não fecha nem mesmo no custo financeiro, pelo desperdício de recursos humanos.

E por falar em crianças e adolescentes (talvez os grupos mais desprotegidos da população brasileira, a despeito de toda a retórica), eles são também alvo preferencial de outro segmento que faz um grande lobby para chegar ao Brasil

São os cigarros eletrônicos, que na verdade já chegaram, de contrabando, e são vendidos de forma quase aberta nas cidades brasileiras. Não creio que seja possível simplesmente proibi-los, mas é preciso ter regulação rígida sobre sua segurança e, sobretudo, impedir o acesso de crianças e adolescentes a eles.

O que se vê em outros países é uma campanha fortemente direcionada para viciar este grupo. Os cigarros eletrônicos são multicoloridos, cheio de bichinhos como mascotes. Quem passa por uma loja pensa talvez em um comércio de jujubas.

O lobby brasileiro em favor dos vapes, que tem a ex-candidata presidencial Soraya Thronicke como estrela (a do “candidato padre”, lembram?), insiste em argumentos furados, como o de que seriam uma forma de superar o tabagismo. Na verdade, costumam ter alto teor de nicotina e estão associados a problemas de saúde graves e ainda não totalmente mapeados.

Como se vê, a indignação com a descriminalização do porte para consumo pessoal é bem hipócrita. E a decisão do STF deixou muitas pontas soltas.

É preciso avançar na discussão e produzir um modelo – para a maconha, mas não só – que garanta as liberdades individuais, proteja as crianças, preserve a saúde e não degrade a segurança pública.

A hipocrisia da elite política bloqueia o debate e o reduz a um looping interminável de velhos preconceitos.

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