Carlos Rubem

Operação Cesariana

  • domingo, 7 de novembro de 2021

 
Foto: Arquivo pessoalCarlos e Gérson
Carlos e Gérson

Há 30 anos (04.11.1991), veio ao mundo o meu filho Gérson, na Maternidade Evangelina Rosa, em Teresina. 

Assisti  e fotografei o seu nascimento. Estive o tempo todo no centro cirúrgico. Momentos de tensão nervosa. 

Logo que o colocaram num pequeno leito com a cabeça declinada para baixo, ao me aproximar para lamber a cria, ela fez uma boa comigo: mijou tão forte que atingiu o meu rosto. Moleque danado, exclamei!

Gérson Oeirense Lopes Reis. O seu prenome foi dado em homenagem ao meu inesquecível tio Gerson Campos, poeta, falecido no dia 11.02.73, aos 39 anos incompletos, vítima de ataque cardíaco, após o gol da virada (2X1) do time de Oeiras (técnico) em cima do selecionado de Floriano pelo campeonato intermunicipal de futebol, cujo estádio que leva, hoje, o seu nome.

Na porta do apartamento em que ficou internada a parturiente (Dirce) e o nosso rebento, coloquei à mostra “Operação Cesariana”, poema de autoria do meu estimado padrinho José Expedito Rêgo, médico e escritor. 

Visitantes, médicos, enfermeiros, enfim, todos que se interessaram, tiveram a oportunidade de lê-la. Muitos me comentaram sobre a aludida mensagem literária.

No dia em que deixamos aquela casa de saúde, achei por bem retirá-la da porta. Neste momento, eis que me aparece uma linda jovem, gente humilde, que havia dado à luz uma criança, uma interna de enfermaria, pedindo-me referido poema, no que lhe atendi prontamente. Agradeceu-me com um largo sorriso. 

Usando um transparente vestido, seios prenhes de leite, saiu lendo-o corredor afora. Foi uma cena impactante! 

Desci os degraus da maternidade tendo a certeza de que uma obra artística pertence mesmo a quem dela necessita. 

Não me perdôo: deveria ter levantado informação daquela mãe que ficou embevecida com a leitura de “Operação Cesariana”

Fazendo o registro deste fragmento, parabenizo o aniversariante, a desconhecida mãe, a memória do meu tio NORGES (seu anagrama que usava), e do autor daquele belo poema adiante transcrito:

Desliza o bisturi sobre a pele macia...
Gotas rubras rorejam na deiscência branca.
Uma pinça hemostática estala metálica
e estanca o sangue.

Prossegue a operação, metódica, pausada.
No silêncio da sala
manchas de som retinem do aço do instrumental.
Gritos de sangue vivo partem das compressas.

Há no ambiente uma seriedade
igual à que antecede
o ato de amor.

Os olhos do cirurgião não desviam
do campo operatório.
Suas mãos emitem ordens
em silêncio atendidas.

Quando o útero é rompido, a natureza revolta-se.
É uma agressão às suas leis.
Ao mesmo tempo sente-se orgulhosa
por ter criado o cérebro do Homem
que repara suas falhas...

E da vida que brota, entre pinças e gazes,
parte o primeiro choro – é um grito de espanto
de quem, logo ao nascer, vê o mundo primeiro
através de uma névoa do sangue
da própria mãe.

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