Religião

Onda de denúncias de crimes sexuais varre igrejas evangélicas de todo país

A famosa Bola de Neve Church acaba de afastar seu fundador por conta de acusação de assédio


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Onda de denúncias de crimes sexuais varre igrejas evangélicas de todo país

Fórum - "Existem situações em que, quando acontece um abuso de uma criança, a criança também é culpada, porque ela deu lugar. Crianças também têm culpa, têm participação, mas não em todos os casos. Eu quero deixar isso bem claro”. A fala é do pastor Jonas Felício Pimentel, líder da igreja evangélica Tabernáculo da Fé, e dita durante um culto pelo líder religioso.

Imagens do momento viralizaram nas redes sociais e causaram revolta, inclusive em personalidade famosas como a apresentadora Xuxa Meneghel. Essa não foi a primeira vez que a Igreja Tabernáculo na Fé se viu envolvida em polêmica sexual. Em 2021, o pastor Joaquim Gonçalves Silva, de 85 anos, foi alvo de uma investigação por abuso e importunação sexual. Ele foi denunciado por quatro mulheres que frequentavam a igreja. O pastor morreu de Covid-19 em agosto daquele ano.

Mas a Tabernáculo não é a única igreja evangélica com esse problema. Pelo contrário. A despeito do completo silêncio de parlamentares da chamada ‘bancada da Bíblia’, como o estridente Nikolas Ferreira (PL-MG), uma verdadeira onda de denúncias de crimes sexuais varre igrejas evangélicas de norte a sul do país.

O caso mais recente é o do apóstolo Rina, fundador da famosa Bola de Neve Church – a igreja que usa pranchas de surf como altares e costuma reunir artistas e atletas entre seus fieis. Rina foi denunciado por uma ex-funcionária da igreja de abuso sexual, contínuos, repetidos por anos, e ocorridos dentro da residência do líder espiritual.

Ao site Fuxico Gospel, especializado em notícias do segmento evangélico, a mulher afirmou que era tocada pelo pastor antes das tentativas propriamente ditas de abuso mais íntimo. Ela relata que as conversas começavam com pedidos de massagem e evoluíam para convites privados e que até o casamento do pastor acabou por conta de tal atitude.

A Bola de Neve informou publicamente que afastou seu fundador do comando do ministério enquanto o caso é apurado. Em nota, informou que seu objetivo é salvar almas, não destruí-las, e que, por isso, promete ações transparentes na apuração e resposta ao caso.

Confira a seguir alguns dos casos noticiados dessa silenciosa (para o debate público) onda de crimes sexuais cometidos por pastores evangélicos.

Mais de 50 vítimas em Goiás e no Pará

A Polícia Civil de Goiás prendeu em 28 de maio o pastor evangélico Dagmar José Pereira por importunação sexual e estupro de vulnerável. De acordo com a Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) de Senador Canedo, no interior do Estado, ele é acusado de se aproveitar da sua condição de líder espiritual para cometer os mais de 50 crimes pelos quais é acusado.

Dagmar é ligado ao Ministério de Anápolis (GO) da Igreja Evangélica Assembleia do Reino de Deus. Segundo as denúncias, tinha o costume de violentar os jovens que frequentavam a instituição. De acordo com o site Fuxico Gospel, especializado em notícias do meio evangélico, são mais de 50 vítimas e o pastor foi alvo de um mandado de prisão preventiva e deve ficar à disposição da Justiça enquanto as investigações são concluídas.

As denúncias começaram a aparecer nas redes sociais em 15 de maio por meio de um perfil identificado como “Isabella Sâmara” que reuniu e difundiu os relatos das vítimas. No mesmo dia, a titular do perfil participou de uma live com um advogado que garantiu que seu escritório entraria no caso para pedir a prisão do pastor.

O nome de Dagmar só foi revelado na quinta-feira, 16 de maio, quando a denúncia foi formalizada. Dois dias depois ele já era investigado pelas autoridades.

A Polícia Civil realizou uma série de diligências para apurar o caso e descobriu que Dagmar tinha um método. Primeiro, ele utilizava sua posição de líder religioso e espiritual, que conferia confiança junto às famílias, para assumir um papel de ‘conselheiro dos jovens’. Uma vez com acesso às crianças e adolescentes, fazia suas vítimas.

Os crimes são praticados há décadas e as vítimas são meninas e meninos, alguns menores de 18 anos, de diversas regiões do país. Ouvidas pela polícia, as vítimas relataram desde beijos de língua forçados até o sexo oral forçado – e tudo o mais que esteja entre ambos os delitos, como carícias em partes íntimas e toques no órgão genital do líder religioso.

O pastor percorreu vários estados durante a sua trajetória de líder religioso. Dagmar José Pereira começou sua carreira na Igreja Assembleia do Reino de Deus em Parauapebas, no Pará, como líder jovem. Já naquele momento ele teria cometido abusos e foi transferido pela liderança da instituição após rumores de assédios contra fiéis.

“No início ele era um ótimo líder de jovens e tinha capacidade de fazer os jovens se aproximarem dele e da igreja. Mas um belo dia ele me chamou na casa dele. Ele morava do lado da igreja. Eu, inocente, fui. E as vezes em que isso aconteceu foram todas no susto. Essa foi a primeira vez, mas tiveram outras. Quando eu entrei no quarto ele foi e me beijou. Um beijo de novela [de língua]. Eu tinha 12 anos, fiquei chocada. Mas teve outro dia com uma oração pela noite, tipo uma vigília, e nesse dia acabou a energia. Eu estava do lado dele quando caiu a luz e ele me chamou: ‘vem cá’. Eu fui, de novo, na inocência. Gente, foi dentro da igreja”, relatou uma das vítimas.

Mas esses primeiros crimes não impediram que Dagmar ganhasse prestígio na igreja e deixasse de ser um líder jovem para se tornar pastor. Conforme apontam as denúncias, ele teria continuado fazendo vítimas em todos os lugares por onde passou como líder religioso até chegar a Senador Canedo, Goiás.

Em Parauapebas, onde residiu entre 2007 e 2016, o pastor fez vítimas de 11 e 12 anos. Já em Senador Canedo as vítimas tinham pelo menos 12 anos. Mas ele também abusou de maiores de 18.

Mas antes mesmo de entrar para a igreja, ainda em 2005, ele foi indiciado por um estupro contra um adolescente de 14 anos. O inquérito foi de responsabilidade da Delegacia de Nerópolis, também em Goiás. Não localizamos o pastor Dagmar ou sua defesa. Tampouco encontramos pronunciamentos na imprensa. Caso queiram se manifestar, o espaço está aberto.

“Unção da sacanagem”

Sinval Ferreira, de 41 anos, é outro líder evangélico preso recentemente. Em 22 de maio a Polícia Civil do Distrito Federal o recolheu para o sistema penitenciário após diversas denúncias de que há tempos ele vinha exigindo condutas sexuais de seus fiéis sob coação, alegando a esses seguidores que era profeta e previa a morte de seus parentes num futuro próximo, ocasião em que pedia para abusá-los sob a promessa de que impediria o óbito dessas pessoas com seus poderes.

Trata-se de figura muito popular nas redes sociais, onde acumula mais de 30 mil seguidores, é uma figura bastante conhecida no universo dessas igrejas neopentecostais do DF. Alvo da Operação Jeremias 23, numa referência bíblica que faz alusão aos falsos profetas que se aproveitam das pessoas, o pastor acumulava dezenas de denúncias por condutas sexuais inapropriadas, sempre com homens.

Apelidada jocosamente de “unção da sacanagem”, o ritual realizado por Sinval, segundo as investigações, era sempre repetitivo. Ele se aproximava de um fiel de sua igreja, dizia que tinha tido uma visão e que nela um parente do alvo estaria prestes a morrer, ou ainda, de ficar paraplégico. Diante de um seguidor assustado, o clérigo dizia, então, que isso se resolveria fazendo um procedimento que ele chamava de “sete unções”. A primeira delas era sempre praticar masturbação e sexo oral nesse fiel, o que evoluía e invariavelmente culminava em um ato sexual completo.

Na argumentação apresentada por Sinval às vítimas, para que elas aceitassem seus pedidos nada cristãos, o pastor insistia que “Deus” teria o incumbido de fazer a tal “revelação” da morte iminente de seu parente, e que o próprio Todo-Poderoso o ordenava que dissesse a esses fiéis como seriam as “sete unções” sexuais. Os homens que foram induzidos a transar com o acusado disseram às autoridades que o faziam por se sentirem desesperados e ameaçados.

Uma fiel contou aos policiais que Sinval também exigia vultosas contribuições à igreja, usando a mesma tática de coagir por meio de “castigos divinos” se a doação generosa não fosse feita. Ela contou que chegou até emprestar uma pequena propriedade rural para o pastor realizar uma orgia com vários rapazes da igreja e que comprou uma passagem de avião para ele ir ao Rio de Janeiro.

Sinval está preso e, segundo o delegado que chefiou a Operação Jeremias 23, responderá pelos crimes de violação sexual mediante fraude e extorsão, o que pode render-lhe até 17 anos de cadeia.

Pastor, sargento e estuprador de vulnerável

Luis Carlos Lopes de Barros, de 53 anos, é segundo-sargento do Exército e pastor. Ele foi preso na última quinta-feira, 6 de junho, em flagrante, pelo crime de estupro de vulnerável.

A mãe da vítima, uma menina de 14 anos, fez a denúncia na 38ª DP de Brás de Pina na Zona Norte do Rio de Janeiro. Segundo ela, a filha tinha acabado de ser estuprada pelo pastor. Os policias prenderam o militar no momento em que se preparava para fugir de sua casa, em Deodoro, na Zona Oeste.

Ele estava em seu carro, com uma bolsa cheia de roupas, quando foi parado pelos agentes e conduzido à delegacia. Ele confessou aos policias que mantinha relações sexuais com a menina desde seus 11 anos. Ele disse ainda que ela é “apaixonada” por ele.

De acordo com a 38ª DP, alguns abusos aconteceram no gabinete pastoral da igreja. Segundo as investigações, o irmão da garota flagrou o militar abusando dela dentro de um carro.

Luis Carlos Lopes de Barros é pastor auxiliar numa igreja evangélica de Parada de Lucas. O local é frequentado pela família da vítima. A adolescente passou por exames de corpo de delito, de conjunção carnal e ato libidinoso, e, após os resultados, o militar foi preso em flagrante.

Pastor Passamani preso por importunação sexual

Acusado de importunação sexual por uma série de fieis da igreja ‘A Casa’, o pastor Davi Passamani foi preso na noite de 4 de abril pela Polícia Civil de Goiás, em Goiânia. Ele é investigado pela Delegacia Estadual de Atendimento Especializado à Mulher.

Leandro Silva, seu advogado, revelou ao portal Metrópoles que ainda não sabe o motivo exato da prisão e que seu cliente, apesar de acusado, nunca foi condenado por importunação sexual. Para a defesa, o pastor está sendo alvo de uma tentativa de golpe contra o seu patrimônio. “O que existe, na verdade, é uma briga, um golpe, para tomar o patrimônio dele”, diz a defesa.

Em dezembro passado ele foi alvo de denúncia de uma fiel. Segundo o relato da jovem, o líder religioso fez diversas insinuações sexuais contra ela e chegou a mostrar seu pênis em uma chamada de vídeo. As acusações foram publicadas no site Fuxico Gospel.

A fiel procurou Passamani para se aconselhar por conta de uma crise de relacionamento. E ele rapidamente introduziu temas sexuais na conversa, conforme afirma a denúncia.

“Do que mais sente falta no seu relacionamento? […] Por que a maioria sempre sente mais falta de sexo, mas isso não é problema pra você, né?” disse o pastor em uma troca de mensagens.

Depois, Passamani teria questionado a jovem se ela estaria namorando. Ela negou, segundo o site, para que ver até onde o religioso iria. Nas conversas do Whatsapp, o pastor chega a pedir para que ela gema em áudios e que se toque durante uma chamada de vídeo. Depois, ele faz uma chamada de vídeo, em que mostra o rosto e o pênis para a jovem.

Mas o namorado da fiel estava gravando tudo. Ela então foi a uma delegacia e registrou um boletim de ocorrência contra o líder evangélico.

"O investigado ligou de vídeo, momento em que a declarante atendeu e viu o rosto dele, e em seguida ele mostrou o órgão sexual dele. Após alguns minutos, ele desligou e ligou de novo via ligação de áudio e continuou falando sobre a fantasia dele para a declarante; ele terminou de se auto satisfazer e, no final, ele fez a respiração que estava gozando, depois disso ele desligou a ligação e continuou mandando mensagens, porém a declarante não respondeu mais", diz o boletim de ocorrência.

Passamani já carrega outras denúncias por crimes sexuais, mas nunca foi condenado. Em 2020, uma veterinária chamada Gabriela Palhano denunciou que o pastor teria enviado mensagens de texto, feito chamadas telefônicas e de vídeo com cunho sexual. A denúncia foi arquivada. Também em 2020, uma outra mulher denunciou Davi Passamani por importunação sexual cometida em janeiro de 2019. O pastor foi denunciado pelo Ministério Público de Goiás.

Dias após a última denúncia, na Véspera de Natal, ele apareceu aos prantos nas redes sociais. Na publicação, anunciou que abandonaria o posto de líder religioso e presidente da igreja ‘A Casa’, que é um dos fundadores. Logo depois, fundou a igreja ‘A Porta’.

"Por meio desta e no sentido de preservar a Casa de Deus e cuidar da minha saúde e família apresento minha RENÚNCIA ao cargo de presidente e líder religioso da igreja Casa Ministério Cristão em caráter definitivo, irretratável e irrevogável para que surta os legais efeitos. Por consequência deve assumir a liderança da igreja nossa vice-presidente Giovanna de Almeida Lovaglio", disse em nota.

Meses depois, em março deste ano, ele foi acusado pela ex-esposa de praticar violência psicológica. Segundo a denúncia, ele enviava mensagens sem cessar e se fazia presente nos lugares que ela frequenta para fazer calúnias contra ela e as novas lideranças da igreja.

Pastor admite em vídeo ter abusado de menina

Um vídeo repugnante estourou nas redes sociais em 6 de maio. Um pastor evangélico da igreja Filadélfia, de Areia Branca, no Rio Grande do Norte, confessa para a própria mãe que abusou de sua filha.

Durante o diálogo, que é filmado por um homem não identificado que tenta atenuar a situação, o pastor acaba confessando aos poucos o abuso. À medida em que a mãe confronta o pastor com o depoimento da filha, ele vai se abrindo e dando detalhes.

Pastor afirma, em um primeiro momento: “eu não toquei nela e nem cheguei a masturbar. Eu vou dizer a você, eu vou ser bem sincero.” “O corpo dela tá marcado”, responde a mãe e ele diz: “eu não marquei essa menina”.

A mãe então se altera e fala: “Ela tá toda vermelha, as partes íntimas dela. A gente vai levar e se comprovar você já sabe o seu caminho. Você não vai sair daqui.”

O pastor, então, começa a contar a verdade: “Por favor, tenha pena de mim. Eu peguei ela, coloquei na cama, eu peço perdão, eu acariciei ela, mas eu não toquei nela, não penetrou nem nada. Eu não penetrou, diante de Deus, eu só lambi”, diz em português errado.

“Você botou o pênis na vagina da menina, ela contou tudo, todos os detalhes”, retruca a mãe. “Diga ai, como se isso não fosse abuso sexual”, prossegue ela.

“Amanda... eu sou fraco, Amanda...”, confessa então o pastor.

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