Arnaldo Eugênio

O eleitor na matrix

Votar com consciência exige romper ilusões e agir pelo bem coletivo


Reprodução O eleitor na matrix
Eleitor votando

Comumente ouve-se dizer que “o brasileiro não sabe votar” – ou seja, é um brasileiro que se diz “consciente” (de 1ª classe) falando no espelho de um brasileiro tido como “inconsciente” (de 2ª classe). Mas, a maioria em ambos padece de uma práxis política, visando o bem comum. Cujo objetivo do voto, no plano do ideal, é ir além dos interesses individuais, priorizando os interesses coletivos, para beneficiar as gerações do presente e aquelas porvires.

Na verdade, o “não sabe votar” tem relação com a visão do eleitor na matrix. Isto é, o “eleitor autoconsciente” ver o “eleitor incônscio” preso na ignorância, acomodando-se na caverna de Platão, onde vive de migalhas, manipulações e ilusões, e que, depois de votar, torna-se “agua de salsicha” tanto para os eleitos quanto para os não eleitos.

Isto acontece porque ao “eleitor incônscio” falta-lhe uma práxis política ou uma ação organizada e consciente do voto, visando uma transformação social e política para a maioria dos indivíduos na sociedade. Assim, a práxis política é uma intervenção na realidade, com o objetivo de materializar algo que ainda não existe, mas que se acredita ser possível – pois, não há mudança no todo sem uma transformação no individual.

 Logo, na zona de conforto da ignorância, sem um despertar da política para além do senso comum, o “eleitor na matrix" tende a se deixar manipular a cada eleição, com variações sutis, por um sistema de controle ou uma simulação da realidade, que sempre o coloca como um coadjuvante da própria história.

Desse modo, o “eleitor na matrix” é incapaz de compreender como se abiu a “Janela de Overton” – isto é, como ideias políticas consideradas tabu em uma época passam a ser aceitas em outra. Joseph Overton tentou explicar como ideias políticas que parecem tabu podem se tornar aceitáveis. Ele criou um modelo que hoje pode nos ajudar – incluindo o “eleitor na matrix” – a compreender o rol de mudanças em diferentes países.

Antes, se “normaliza” uma ideia e depois a torna lei numa guerra cultural e educacional para mudar uma nação. Onde o “eleitor na matrix” apenas se adapta às ideias políticas, fazendo-o crê numa práxis política abstrata e genérica.

Isto é, ele não percebe que quem luta – e lutar é verbo transitivo – politicamente sempre o faz em determinadas condições e com determinados objetivos.

Nesse sentido, ao resistir mover-se para fora da matrix, o “eleitor incônscio” simplesmente não aprende que sempre estamos lutando por algo, com alguém, em determinado contexto, como sujeitos da história. Assim, a práxis política é querer intervir em uma dada realidade. É a vontade de se materializar na realidade o que ainda não existe, mas é possível.

Por um lado, para acessar a práxis política, o “eleitor na matrix” precisa sair da bolha de ilusões e enxergar além do poder ou da dominação, para acessar a complexa interação entre os desejos e as utopias, na subjetividade dramática de cada um de nós – que pode se realizar mediante um diálogo profícuo com as contribuições de Vigotski e Gramsci.

Por outro lado, para acessar uma liberdade plena, o “eleitor na matrix” deve compreender que, ao deixar a visão negativa da política, é possível votar com consciência, entendendo que a práxis política sobre determinado assunto pode ser modificada – e, por meio da "janela de Overton", desconstruir a manipulação do ódio pelos extremistas e fascistas.

Portanto, é possível e necessário que o eleitor incauto abandone a matrix, assumindo um papel proativo no modelo de mudança política, que englobe ideais comuns, aceitáveis pela opinião pública e para os políticos – que não defendem a mediocridade coletiva, validação social, idiotização do eu, golpismo, calhordice, violência, corrupção, fake news, trapaça.

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