Morre Evandro Teixeira, o fotógrafo das ditaduras
Ele era natural de Irajuba, cidade do Centro-Sul da Bahia
“É preciso que a lente mágica/enriqueça a visão humana/e do real de cada coisa/um mais seco real extraia/para que penetremos fundo/no puro enigma das imagens.” Esses são versos do poema Diante das fotos de Evandro Teixeira, de ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade.
O texto é parte da obra Amar se aprende amando, de 1985, e o título homenageia um ex-colega de trabalho de Drummond que é um dos principais nomes do fotojornalismo brasileiro. Ao longo de seis décadas, Evandro Teixeira trabalhou em diversos veículos da Bahia, sua terra natal, e do Rio de Janeiro. Foi no Jornal do Brasil, onde atuou por 47 anos, que o baiano fez fotos que entraram para a história.
De Irajuba para o mundo
O interesse de Teixeira pela fotografia começou ainda na infância em Irajuba, cidade do Centro-Sul da Bahia onde nasceu, em 1935. Aos 12 anos, ele já começava a arriscar uns cliques; aos 15, mudou- -se para Jequié, a 79 quilômetros de Irajuba, onde começou a trabalhar no jornal local. Além de comprar sua primeira câmera, passou a ter como mentor o fotógrafo Walter Lessa.
Em 1954, foi para Salvador, onde trabalhou como estagiário no Diário de Notícias, publicação do grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Nessa época, fez um curso de fotografia a distância por meio de correspondências com José Medeiros, que trabalhava na revista O Cruzeiro, no Rio de Janeiro.
Um amigo de Evandro, Mapin, o incentivava a tentar alavancar ainda mais a carreira na capital fluminense. “Eu sempre declinava, não me sentia preparado, não achava que estava nesse nível de ir para uma cidade grande”, lembra o fotojornalista à GALILEU. “Eu não conhecia nada nem ninguém, era apenas um fotógrafo da roça, um mero aprendiz.”
Até que Evandro decidiu dar ouvidos a Mapin, que era amigo do diretor de redação do Diário da Noite, também do grupo Diários Associados e sediado no Rio. Após redigir uma carta de apresentação, o jovem fez as malas. “Pedi dinheiro para meus pais, comprei uma passagem aérea e fui com a cara e a coragem”, relata. Deu certo. “Comecei trabalhando no Diário da Noite em 1957 e fiquei até 1962, quando fui chamado para trabalhar no Jornal do Brasil.”
Mas ele ainda não se sentia preparado e negou o convite. Um ano depois, após passagem pela revista O Mundo Ilustrado, Teixeira finalmente topou entrar em um dos maiores jornais do país. E foi assim que conheceu colegas do gabarito de Antônio Callado e Carlos Drummond de Andrade.
Registrando ditaduras
A rotina no Jornal do Brasil envolvia uma busca incessante por notícias. Percorrer longos trajetos em estradas e aviões era parte da rotina de Evandro. Mas tudo ficou mais desafiador quando, em 1964, veio o golpe militar que deu início a um novo período de ditadura no país. Teixeira captou momentos importantes, a exemplo do que ficou conhecido como “instante zero” do golpe.
Quem o alertou sobre a medida deflagrada pelos militares foi seu amigo Leno, capitão do Exército. Em entrevista ao site do IMS, Teixeira conta que Leno o tirou da cama na madrugada de 1º de abril de 1964, avisando: “Estourou o golpe, estão tomando o forte de Copacabana. Vou pra lá, topa vir comigo? Pega sua câmera!”. A foto Tomada do Forte de Copacabana, feita com a Leica M3 de Evandro, estampou a primeira página do Jornal do Brasil no dia seguinte ao início de um dos períodos mais sombrios da história brasileira.
Outro registro marcante foi o da Passeata dos Cem Mil, em 1968. A foto emblemática — que mostra uma faixa com os dizeres “Abaixo a ditadura, o povo no poder” — foi censurada. “Era para ter saído na primeira página, mas dentro da redação tínhamos dois militares que eram censores e não deixaram a foto passar”, lamenta Teixeira a GALILEU.
Quase dez anos depois, o fotógrafo viu de perto outra ditadura. No dia seguinte ao golpe militar que depôs o presidente eleito Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973, o baiano desembarcou no Chile, junto ao repórter Paulo Cesar de Araújo.
Após dez dias sem poder de fato entrar no país, que estava com as fronteiras fechadas, Teixeira e outros correspondentes foram levados ao Estádio Nacional para fotografarem o local. A visita, conduzida pelos próprios militares, visava desviar a atenção dos protestos que aconteciam, sobretudo de estudantes.
Mas Evandro já havia estado naquele centro esportivo, quando cobriu a Copa do Mundo de 1962, e deu um jeito de driblar o cerco. Foi assim que, nos porões do estádio, ele se deparou com estudantes que haviam sido torturados e fez um registro inédito. “Os militares nos cerceavam o tempo todo, era sempre um risco”, recorda. “Eu buscava fazer as coisas de maneira diplomática para não ser fuzilado ou preso, pois na época eles não perdoavam ninguém.”
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