Oscar de Barros

Da escravidão à internet e elite resiste em contribuir: Haddad e Tebet confrontam privilégios históricos

As declarações de Haddad e Tebet colocam em evidência uma das principais disputas do Brasil contemporâneo: quem deve pagar a conta?


Reprodução Da escravidão à internet e elite resiste em contribuir: Haddad e Tebet confrontam privilégios históricos
Haddad, Tebet e os privilégios da elite brasileira

A resistência da elite econômica brasileira a medidas de justiça social não é novidade — trata-se, na verdade, de um traço histórico enraizado na formação do país. Desde o período colonial até os dias atuais, as classes dominantes demonstram forte apetite por benesses do Estado, ao mesmo tempo em que se opõem com veemência a qualquer forma de contribuição que interfira em seus privilégios. O episódio mais emblemático dessa lógica remonta ao século XIX, com a promulgação da Lei de Terras, em 1850. Antecipando a iminente abolição da escravidão, a elite brasileira se mobilizou para impedir que os futuros libertos tivessem acesso à terra — restringindo sua aquisição à compra, numa época em que quase ninguém negro, ex-escravizado, possuía recursos para isso.

Décadas se passaram, mas a mentalidade permanece. O governo Lula, ao propor uma correção mínima nas distorções do sistema tributário brasileiro, vem encontrando ferrenha oposição do topo da pirâmide social. Não se trata de confisco nem de taxações excessivas, mas de uma contribuição proporcional por parte de quem mais acumula riqueza no país. No entanto, o simples ato de pedir uma colaboração equitativa tem provocado reações indignadas dos setores mais ricos, especialmente nas redes sociais.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi direto ao ponto em entrevista ao portal Metrópoles. Ao comentar o debate sobre a reforma tributária, Haddad criticou a gritaria digital do chamado 1% mais rico, que tenta deslegitimar as propostas de redistribuição de renda. “Como é razoável que 1% da população faça esse inferno na internet dizendo que nós estamos colocando ‘nós contra eles’? Nós quem? 99% contra 1%? Como assim?”, questionou o ministro. E completou: “Esse 1% não quer pagar nem o que os 99% pagam. Então, a pergunta é: nós contra eles ou eles contra nós?”.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, endossou a crítica em outro tom, mas com a mesma contundência. Representante declarada do "andar de cima", Tebet reconheceu o desequilíbrio histórico na aplicação dos ajustes fiscais no país. “Nós já mexemos muito com o andar de baixo nos últimos dez anos”, afirmou, citando reformas como a trabalhista e da previdência, além dos cortes em programas sociais e na Farmácia Popular. “Nunca se conseguiu mexer com o andar de cima — a qual eu pertenço, muitos de nós pertencemos”, admitiu.

Tebet foi além e questionou a falta de justiça no sistema tributário atual: “Não precisa de muito dinheiro pra pagar 22% de tudo que se ganha. Basta alguém ganhar 4 mil reais por mês. Não é justo que quem ganhe mais de 50 mil, 60 mil de renda, não pague pelo menos 10%”. E concluiu com uma provocação simbólica: “Se isso for discurso de esquerda, eu que nunca fui de esquerda, tenho que me considerar de esquerda”.

As declarações de Haddad e Tebet colocam em evidência uma das principais disputas do Brasil contemporâneo: quem deve pagar a conta? Para os mais ricos, o Estado deve continuar servindo como plataforma de negócios e acúmulo, sem cobrar contrapartidas. Já para o governo, há um esforço para romper com esse padrão, ainda que de forma tímida. A elite, contudo, reage como sempre: defendendo seus privilégios, como se fossem direitos naturais, inegociáveis — e, sobretudo, intocáveis.

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