Cortar dos pobres, isentar os ricos: renúncias fiscais x corte de gastos
Haddad passa um sabão na mídia

Por Tereza Cruvinel, jornalista, no 247
Todos nós sabemos que, antes de render-se à necessidade de fazer um duro corte de gastos para cumprir a regra fiscal, o ministro Fernando Haddad tentou fazer o ajuste pela receita, cortando parte dos subsídios bilionários concedidos a vários setores e empresas. O Congresso não deixou: manteve a desoneração da folha de pagamentos e não acabou com o Perse.
Com o anúncio da Receita, de que a perda de receita com renúncias este ano chegou a R$ 97,7 bilhões até agosto, o ministro passou uma descompostura nos jornalistas que cobrem a Fazenda, por ter a mídia o acusado de inflar os números: “façam uma reflexão sobre a conduta que vocês tiveram no ano passado”, disse Haddad ao longo de sua reprimenda.
Os dados sobre as perdas tributárias da União foram disponibilizados pela Receita através da DIRB - Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária, ferramenta recém-criada para consolidar as informações sobre o que deixou de ser recolhido. Um grupo de 54,9 mil empresas foi beneficiado com renúncias que somaram R$ 97,7 bilhões até agosto.
Individualmente, a Brasken foi a maior beneficiária (R$ 2,27 bilhões) por conta do regime fiscal especial concedido à indústria química. Vale recordar que esta é aquela empresa que, com sua mineração, causou prejuízos a 15 mil imóveis e a cerca de 60 mil pessoas em Maceió (AL). As vítimas cobram justiça e reparação, e nada receberam até agora.
A pandemia de Covid-19 já se foi há um bom tempo mas o Perse, programa criado para socorrer o setor de eventos naquela época, nunca mais foi revogado. Haddad tentou mas conseguiu apenas um pequeno ajuste. Segundo a DIRB, o programa privou o governo de R$ 9,7 bilhões até agosto e a empresa que mais ganhou com ele foi o Ifood, que deixou de pagar R$ 336,11 milhões.
A desoneração da folha para 17 setores da economia custou, até agosto, R$ 12,3 bilhões, e foi objeto daquela refrega entre Congresso/empresários e o governo: Lula veta, Congresso derruba o veto, Governo vai ao Supremo e, no fim, o que Haddad conseguiu foi um acordo pelo qual no ano que vem terá início uma lenta e gradual redução do benefício.
A DIRB traz um mundo de informações sobre o paraíso fiscal garantido a alguns. Por setores, por exemplo, Adubos e Fertilizantes ganhou R$ 15 bilhões, a indústria farmacêutica, R$ 6,5 bilhões, Defensivos Agrícolas, R$ 10,8 bilhões, carnes para exportação, R$ 1,5 bilhão e assim por diante.
Cortando nas políticas públicas, que beneficiam os que mais precisam do Estado, o governo espera obter R$ 30 bilhões para cumprir o arcabouço fiscal. Este valor sairia facilmente desta montanha de incentivos e renúncias se o Congresso permitisse e se as empresas premiadas aceitassem uma pequena redução do favorecimento.
Haddad foi sempre acusado de estar inflando os números sobre o Perse e a desoneração para evitar o corte de despesas e fazer o ajuste tapando estes ralos tributários. Por isso parece ter lavado a alma com a divulgação dos números pela Receita. Transcrevo parte do que ele disse aos jornalistas na quarta-feira, quando cobrado sobre a divulgação do corte de gastos.
- É importante que a imprensa faça uma reavaliação da conduta que teve no ano passado, quando a Fazenda divulgou números sobre a desoneração e o Perse. Fomos muito criticados, acusados de estarmos exagerando os números. Agora a Receita Federal atesta que nós estávamos certo e vocês da imprensa, equivocados. É importante que vocês façam esta reflexão porque o esforço fiscal tem que ser de todos, inclusive da imprensa. Vocês precisam parar de defender interesses particulares e passarem a defender interesses de toda a sociedade. Os subsídios vão continuar sendo enfrentados, embora agora estejamos focados na dinâmica do gasto. Este é o papel de qualquer governo.
Ele recordou que o setor de Comunicações, um dos 17 setores agraciados, ganhou muito com a desoneração, e que muitas empresas seguem favorecidas pela lei mal elaborada do Perse.
Não vi na mídia nenhuma transcrição do que disse Haddad no trecho acima.
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