Com entrevista, Globo quis mostrar a Lula que tem poder
Se Sônia Bridi não participou da tramoia, devia ter se manifestado de público

Por Luis Felipe Miguel, professor, no facebook
Eu não assisto ao Fantástico, então fui procurar na internet a entrevista que Lula deu a Sônia Bridi.
Foi um gesto de propaganda, para mostrar que Lula continua mentalmente saudável. Mas foi também uma enorme concessão: depois de cirurgias daquela monta, o presidente da República concede uma exclusiva para uma emissora de televisão!
Daí, o golpe baixo. Se fosse para contestar o entrevistado – e o jornalismo brasileiro devia mesmo “apertar” mais, em vez de se limitar a registrar declarações – que o fizesse diante dele, permitindo réplica.
E mesmo que quisesse apresentar outra versão, que o fizesse depois, não no meio da entrevista.
Não foi apenas inusual. Foi antiético e ofensivo.
Com a manobra, a Globo persegue dois objetivos. O primeiro é afirmar sua autoridade, algo que se tornou importante para o jornalismo desde que está ameaçado pelos novos circuitos de disseminação de informação, mas que, para a “Vênus platinada” (lembram?), é ainda mais importante.
As “sabatinas” com candidatos no Jornal Nacional servem de exemplo. William Bonner não age como jornalista, mas como mestre-escola, cobrando as respostas “certas” – não por acaso, aquelas que favorecem o sistema financeiro, o agronegócio, os ricos em geral.
Mas quando Bolsonaro esteve lá, em 2018 e 2022, mentiu à vontade, sem ser confrontado: sobre o pretenso “kit gay” nas escolas, sobre combate à Covid, sobre tudo.
O que me leva ao segundo objetivo da Globo: mostrar a Lula que tem poder. Que não se arrepende de sua participação na conspiração Lava Jato, que pode retomar sua parceria com algum novo Sergio Moro, que o governo não pode sair da linha ou será atropelado.
É que a Globo não gosta de Bolsonaro – truculento, de maus bofes e, pior, assanhado pro lado de seus concorrentes, na Record e SBT. Mas considera pior ainda um Lula que governe um pouquinho mais à esquerda.
Todo mundo sabe disso. Por isso, ter feito essa deferência, ter concedido a entrevista, foi um baita amadorismo.
E a repórter? Embora Sônia Bridi tenha sido minha contemporânea na universidade, eu não a conheço.
Mas, se ela não participou da tramoia, devia ter se manifestado de público – e esperado as reações da empresa. Não é uma anônima, sem nome a zelar, nem tampouco alguém sem outras opções de trabalho.
Dignidade não é tudo, ao contrário do clichê. Mas é muita coisa.
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