Daniel Ribeiro

Carreata da morte

  • terça-feira, 21 de abril de 2020

Foto: GP 1Carreata da morte
Carreata da morte

 

Os estados, como governo em si, independente de qual seja, obtêm recursos sobremaneira advindos do pagamento de impostos, seja de pessoas físicas, que trabalham até 5 meses por ano para isso, ou jurídicas. Porém apenas uma parte desses são realmente fiéis à ética e à honestidade. Quiçá seja a maioria. Talvez até seja. Outros tantos, que formam um segundo grupo bem definido, lucram acima do normal, baseados tão somente na sonegação de impostos e na transferência de recursos pra contas em paraísos fiscais.

Além disso, grande parte daqueles primeiros, os honestos, realmente carecem de políticas públicas para superar a pandemia, e para manter empregos e renda nesse momento. Os outros, sonegadores em sua maioria, conseguiriam sem dúvida manter ativos os salários de empregados e o repasse a fornecedores, pois são empresas com grande movimentação financeira, e que possuem capital de giro próprio, investido ou, em último caso, pré aprovado. Aceitaríamos, e até entenderíamos, um pequeno comerciante reclamar de dificuldades nesse momento.

Mas exatamente esses abastados, exatamente esses bem locupletados, passam a gritar contra o isolamento social. Esses que ecoam o berro, única e exclusivamente, compõem uma massa de manobra do pseudo presidente, incapaz de criar programas coerentes e eficazes, mas capaz de tanger um grupo de desprezíveis, cegos e sem senso crítico, para mugir contra o que defende pesquisadores e médicos infectologistas do mundo todo: a necessidade, pelo menos por enquanto, do isolamento social.

E se imaginarmos que tal comportamento ocorre longe de nós, nordestinos, estamos enganados. Estamos em Teresina, onde prefeitura e estado, em campos políticos por vezes conflitantes, esquecem tais diferenças e trabalham diuturnamente em busca de amenizar os efeitos da pandemia de atingir o nosso povo. Nessa nossa Teresina, ocorreu um movimento esse fim de semana, combinados com outros tantos e semelhantes deslocamentos de rebanho Brasil afora: uma carreata contra o isolamento e contra as medidas defendidas e difundidas pela OMS no mundo todo. A carreata da morte.

Empresários, em sua maioria, daquele segundo grupo que citamos, em seus carros de luxo, fizeram uma carreata contra a quarentena que é uma ação praticada em quase todo o globo, e sabidamente eficaz contra o crescimento acelerado da curva de contágio da pandemia. E percebe-se também que, em caso de lograrem êxito nas suas reivindicações, permanecerão em suas mansões e encaminharão seus trabalhadores às ruas.

Detalhes chamaram atenção ao analisarmos a tal carreata. Primeiro, se eles realmente acreditam que o covid-19 não passa de uma gripezinha, por que, ao invés de estarem isolados em seus carros, alguns até de máscara, não fizeram uma passeata, a pé? Segundo detalhe, se estão sofrendo tanto com dívidas, para pagar contas e salários de funcionários, mas estão alocados em Hilux SW4, Cherokee e até Mercedes e BMW, por quê simplesmente não vendem o carro e pagam as contas? Daria, certamente, para manter ao menos 4 meses de adimplência, tempo suficiente para retornarmos gradativamente à normalidade e sequer abalaria 1% do patrimônio.

Um terceiro detalhe a analisarmos é que isso configura uma total falta de respeito com todos os profissionais de saúde e com todas as pessoas que estão se esforçando para se manter em casa nessa pandemia. É não respeitar sequer a dor de quem já perdeu familiares para o vírus e usar esse momento para ir às ruas de grandes cidades  do país, sobretudo Brasília e SP, gritar por um novo AI5 e pelo fechamento de instituições públicas. E o detalhe mais sórdido. Receber apoio do presidente da República. Algo que se configura como uma total ruptura com o que rege a Constituição e passa a imagem, a nós e ao mundo, que podemos estar diante de alguém disposto a se manter no poder pela força, de uma forma que o Brasil não aceita mais, por uma ditadura. O papel de um presidente sensato e honesto, não só nesse momento de pandemia, mas em todo o decorrer de seu mandato, é seguir a constituição e prezar pela unidade e soberania dos poderes.

O congresso, como poder legislativo atua também como fiscalizador do executivo. E o STF tem, como principal função, a salvaguarda da Constituição. Não podemos querer e permitir que um presidente aja sem essa fiscalização e sem esse controle, ou que os tenha sob seu domínio, pois isso é o que caracteriza uma ditadura. Congresso e STF não podem permitir que tal manifestação se espalhe, seja ela promulgada por quem quer que seja, sobretudo pelo Presidente da República.

O Brasil não precisa de um golpe militar contra a democracia, precisa na verdade de união dos poderes, para com clareza e competência, guiar seu povo, todos os brasileiros, para a saída adequada dessa pandemia e para uma recuperação positiva da nossa economia. Pois é possível superar dificuldades econômicas, especialistas na área sabem como proceder, mas médicos não conseguem ressuscitar vidas.

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