Carreata da morte
Os estados, como governo em si, independente de qual seja, obtêm recursos sobremaneira advindos do pagamento de impostos, seja de pessoas físicas, que trabalham até 5 meses por ano para isso, ou jurídicas. Porém apenas uma parte desses são realmente fiéis à ética e à honestidade. Quiçá seja a maioria. Talvez até seja. Outros tantos, que formam um segundo grupo bem definido, lucram acima do normal, baseados tão somente na sonegação de impostos e na transferência de recursos pra contas em paraísos fiscais.
Além disso, grande parte daqueles primeiros, os honestos, realmente carecem de políticas públicas para superar a pandemia, e para manter empregos e renda nesse momento. Os outros, sonegadores em sua maioria, conseguiriam sem dúvida manter ativos os salários de empregados e o repasse a fornecedores, pois são empresas com grande movimentação financeira, e que possuem capital de giro próprio, investido ou, em último caso, pré aprovado. Aceitaríamos, e até entenderíamos, um pequeno comerciante reclamar de dificuldades nesse momento.
Mas exatamente esses abastados, exatamente esses bem locupletados, passam a gritar contra o isolamento social. Esses que ecoam o berro, única e exclusivamente, compõem uma massa de manobra do pseudo presidente, incapaz de criar programas coerentes e eficazes, mas capaz de tanger um grupo de desprezíveis, cegos e sem senso crítico, para mugir contra o que defende pesquisadores e médicos infectologistas do mundo todo: a necessidade, pelo menos por enquanto, do isolamento social.
E se imaginarmos que tal comportamento ocorre longe de nós, nordestinos, estamos enganados. Estamos em Teresina, onde prefeitura e estado, em campos políticos por vezes conflitantes, esquecem tais diferenças e trabalham diuturnamente em busca de amenizar os efeitos da pandemia de atingir o nosso povo. Nessa nossa Teresina, ocorreu um movimento esse fim de semana, combinados com outros tantos e semelhantes deslocamentos de rebanho Brasil afora: uma carreata contra o isolamento e contra as medidas defendidas e difundidas pela OMS no mundo todo. A carreata da morte.
Empresários, em sua maioria, daquele segundo grupo que citamos, em seus carros de luxo, fizeram uma carreata contra a quarentena que é uma ação praticada em quase todo o globo, e sabidamente eficaz contra o crescimento acelerado da curva de contágio da pandemia. E percebe-se também que, em caso de lograrem êxito nas suas reivindicações, permanecerão em suas mansões e encaminharão seus trabalhadores às ruas.
Detalhes chamaram atenção ao analisarmos a tal carreata. Primeiro, se eles realmente acreditam que o covid-19 não passa de uma gripezinha, por que, ao invés de estarem isolados em seus carros, alguns até de máscara, não fizeram uma passeata, a pé? Segundo detalhe, se estão sofrendo tanto com dívidas, para pagar contas e salários de funcionários, mas estão alocados em Hilux SW4, Cherokee e até Mercedes e BMW, por quê simplesmente não vendem o carro e pagam as contas? Daria, certamente, para manter ao menos 4 meses de adimplência, tempo suficiente para retornarmos gradativamente à normalidade e sequer abalaria 1% do patrimônio.
Um terceiro detalhe a analisarmos é que isso configura uma total falta de respeito com todos os profissionais de saúde e com todas as pessoas que estão se esforçando para se manter em casa nessa pandemia. É não respeitar sequer a dor de quem já perdeu familiares para o vírus e usar esse momento para ir às ruas de grandes cidades do país, sobretudo Brasília e SP, gritar por um novo AI5 e pelo fechamento de instituições públicas. E o detalhe mais sórdido. Receber apoio do presidente da República. Algo que se configura como uma total ruptura com o que rege a Constituição e passa a imagem, a nós e ao mundo, que podemos estar diante de alguém disposto a se manter no poder pela força, de uma forma que o Brasil não aceita mais, por uma ditadura. O papel de um presidente sensato e honesto, não só nesse momento de pandemia, mas em todo o decorrer de seu mandato, é seguir a constituição e prezar pela unidade e soberania dos poderes.
O congresso, como poder legislativo atua também como fiscalizador do executivo. E o STF tem, como principal função, a salvaguarda da Constituição. Não podemos querer e permitir que um presidente aja sem essa fiscalização e sem esse controle, ou que os tenha sob seu domínio, pois isso é o que caracteriza uma ditadura. Congresso e STF não podem permitir que tal manifestação se espalhe, seja ela promulgada por quem quer que seja, sobretudo pelo Presidente da República.
O Brasil não precisa de um golpe militar contra a democracia, precisa na verdade de união dos poderes, para com clareza e competência, guiar seu povo, todos os brasileiros, para a saída adequada dessa pandemia e para uma recuperação positiva da nossa economia. Pois é possível superar dificuldades econômicas, especialistas na área sabem como proceder, mas médicos não conseguem ressuscitar vidas.
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