Política

Caminho do campo progressista brasileiro

Estamos numa aventura empresarial-militar que não aponta para saídas, apenas para a administração do caos

  • sábado, 13 de junho de 2020

Foto: InternetQue caminho seguirão ?
Que caminho seguirão ?

 


Por Rudá Ricci, sociólogo

Farei um breve fio para buscar entender o que ocorre no campo progressista ou de centro-esquerda do nosso país.

Acredito que há movimentações de bastidor e ações concretas muito tímidas.

Há certo catastrofismo nos discursos deste campo político-ideológico como se a vitória de Bolsonaro tivesse criado uma Era. Não foi bem isso que ocorreu. Por quanto tempo a extrema-direita cresceu? De 2015 - ápice de popularidade de seu discurso radical, segundo a Vox Populi - até 2019 (quando o apoio à Bolsonaro começa a desidratar). Um tempo muito breve, mas que abalou profundamente as convicções deste campo. Por qual motivo? Vou entabular três hipóteses que não esgotam as possibilidades de análise. Vamos a elas:

Hipótese 1: Estresse pós-traumático. A sequência de impeachment de Dilma Rousseff, prisão de Lula e vitória de Bolsonaro abalaram certa convicção de imortalidade, a “Síndrome de Highlander”. O PT foi o único partido da história política do Brasil que venceu 4 eleições consecutivas para a Presidência. Mais: a habilidade de Lula em envolver até mesmo adversários históricos e isolar politicamente os adversários mais resistentes gerou sensação de estabilidade. Ocorre que o regime democrático pressupõe alternância no poder. Portanto, seria algo natural que a força eleitoral do PT gerasse uma organização tão potente em oposição para tentar fazer a roda girar. O campo progressista se desarmou e acreditou que nunca mais sairia do poder. 

Hipótese 2: Percepção de ausência de lastro social e apartheid entre o cotidiano popular e as instâncias de organização do campo progressista. Esta situação veio aos poucos, principalmente após 2013. A narrativa inicial é que tudo era armação da direita. Dilma convidou os principais movimentos sociais para uma conversa em junho de 2013. Ouviu que ela não os ouvia há tempos. E que não lideravam as jornadas de junho. A Presidente tentou apresentar uma pauta, mas, não percebeu que se tratava de um mosaico. Enfim, 2013 não era trama da direita, mas de uma outra juventude que agiu como a juventude dos EUA (Occupy), Espanha (que deu no Podemos), da Islândia (com a Revolução das Panelas), do mundo árabe (com a Primavera Árabe). Não era movimento social, mas mobilização social. Foi difícil perceber que durante mais de uma década dirigindo o Brasil, o campo progressista tinha envelhecido. Sua referência era um mundo que estava sendo substituído (algo que Lula recentemente sugeriu). Como entender este novo mundo que parece estranho à lógica do século XX?

Hipótese 3: Dificuldades para superar o projeto lulista. O projeto rooseveltiano lulista foi o de maior sucesso do campo progressista em toda sua história. Acontece que não pode ser mais reproduzido. Afinal, parte de sua engenharia se desgarrou e foi para a extrema-direita. A nata do empresariado revelou sua face demoníaca, de baixo compromisso com a sociedade brasileira. Se aliou, como fez no regime militar, a um projeto de exclusão social, autoritário e escatológico. Agora, se debate, como os militares, para saber qual saída toma no labirinto. Acontece que o projeto rooseveltiano se apoia em concentração de recursos de investimento público, fomento à ampliação do mercado interno e.... indução dos investimentos privados (no caso, via BNDES e PAC). Esta última perna quebrou. Sem a perna empresarial, o que temos é um confronto entre uma proposta de desmontagem do Estado Providência e subordinação aos interesses dos EUA com um projeto de desenvolvimento autônomo. Até o momento, não há canais de comunicação algum entre as duas perspectivas.

A opção de subordinação vem da leitura de um segmento militar que já previa uma forte crise social por esses dias dada a dependência da multidão mais pobre em relação aos fundos públicos para sobreviver. Então, a crise social poderia dar lugar a tensões crescentes. A possibilidade de tensão permanente, para este setor militar, num momento de baixa capacidade de enfrentamento do Estado (numa situação de caos social) exigiria que o país se vinculasse a uma potência mundial que nos desse suporte e segurança. Daí os EUA. Estamos vendo o que deu a aposta. Uma leitura geopolítica equivocada dá sempre em burros n´água.

Assim, ingressamos numa aventura empresarial-militar que não aponta para saídas, apenas para a administração do caos. Manejar este cenário não é uma tarefa fácil para o campo progressista. Exige muito rigor técnico e habilidade política. Em meio a esta situação de transição, percebo algumas movimentações do campo progressista a partir da leitura de crise do bolsonarismo e perda gradativa de popularidade do governo de Jair. 

Vou terminar descrevendo o que vejo neste momento. 

De um lado, Lula dando a cara para bater afirmando que não assina qualquer documento de frente com quem apostou no caos. O discurso é interessante, mas acredito que não revele todas intenções. Lula prepara o PT para polarizar de vez com o governo Bolsonaro. Se estou certo, não dá para se misturar com uma frentona. Mas, quando seria este momento de polarização? Tenho para mim que o momento da crise convergente (econômica, social e sanitária) será entre agosto e setembro. Se estou certo, esta é uma boa data.

Finalmente, na outra ponta do campo progressista, PDT, Rede e PCdoB procuram expor seus expoentes (Ciro, Marina e Flávio Dino) para impedir que sejam mais uma vez soterrados pela máquina petista. Os arroubos oratórios de Ciro têm relação com este desespero. 

Finalizo por aqui. São hipóteses explicativas, não previsões. Hipóteses orientam o olhar para checar se realmente explicam ou para refutar se se revelarem ilações que não prosperaram. Estamos vivendo esta transição política em meio à formação da maior tempestade perfeita que nosso país terá experimentado.

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