Pensar Piauí

Tina Turner e a homeopatia

A homeopatia e outras práticas alternativas seguem iludindo, lucrando, e matando

Foto: Montagem pensarpiauiHomeopatia
Homeopatia

Por Natalia Pasternak, cientista 

Durante uma festinha de criança, conversando com outros pais e mães, me sugeriram usar homeopatia para um problema de saúde da minha filha. Perguntei se sabiam o que era um remédio homeopático, e me responderam, que sim, claro, era remédio natural. Alguém arriscou que era feito de extratos de plantas.

Pesquisa conduzida pelo Center for Inquiry (CFI), associação sem fins lucrativos baseada nos EUA, mostrou que a maior parte das pessoas que consome produtos homeopáticos não sabe exatamente como são feitos, no que diferem de medicamentos convencionais e nem quais são os princípios da homeopatia. A pesquisa mostrou que, quando os consumidores foram apresentados a estes dados, sentiram-se enganados e frustrados. Achavam que a homeopatia havia sido testada e aprovada pela FDA (agência regulatória de medicamentos e alimentos dos EUA), da mesma maneira que qualquer outro medicamento.

Mas afinal, o que é homeopatia, essa prática que se tornou tão popular no Brasil, a ponto de ser ensinada nas faculdades, endossada pelo Conselho Federal de Medicina, e oferecida no Sistema Único de Saúde? É uma forma de medicina alternativa baseada em dois princípios. Um, semelhante cura semelhante: algo capaz de provocar, numa pessoa saudável, sintomas análogos aos de uma doença deve ser capaz de curar essa mesma doença; dois, diluição infinitesimal – quanto mais diluído o princípio ativo, maior a sua potência curativa. Inventada pelo médico alemão Samuel Hahnemann em 1790, quando os conhecimentos sobre microrganismos e anatomia humana eram precários, a homeopatia tem um processo de diagnóstico que não considera as causas da doença, apenas sintomas.

Remédios homeopáticos não são avaliados com o mesmo rigor dos medicamentos convencionais. E nem poderiam, porque após passar pelo processo de diluições infinitesimais, o que sobra em geral é só água, sem nenhuma molécula de “princípio ativo”. Dá para entender a frustração dos participantes da pesquisa do CFI, e dos meus amigos na festinha quando descobriram a verdade.

O desconhecimento, aliado à glamourização da medicina alternativa, revestida do rótulo equivocado de “natural”, atrai muita gente para este mercado. Não faltam celebridades entre os adeptos. Alguns, como Steve Jobs, pagaram com a própria vida por escolher tratamentos alternativos no lugar de medicina de verdade.

A morte recente da cantora Tina Turner trouxe à tona a história de como a homeopatia lhe custou um rim. Tina sofria de pressão alta, e em 2013, sofreu um derrame. Iniciou tratamento, mas convencida de que os remédios estavam lhe “fazendo mal”, consultou um homeopata francês, que substituiu tudo por preparados homeopáticos, e disse que a hipertensão era causada por “toxinas na água”. Além de abandonar o tratamento correto, a cantora mandou trocar o encanamento e “purificar” a água com “cristais energéticos”. Em 2017, os rins, sobrecarregados com a hipertensão descontrolada, começaram a falhar, e ela precisou de um transplante.

Embora Tina reconheça que errou ao tratar pressão alta com homeopatia, não se convenceu de que a prática é inútil. Seguiu acreditando que, para males menores, diluições infinitas podem ser úteis.

Tina Turner deixa saudades como artista e mulher. Não foi a homeopatia que a matou, mas certamente a falha renal deteriorou sua saúde. O episódio do transplante faz dela mais uma vítima (por sorte, sobrevivente) da medicina alternativa. Muitas dessas vítimas têm algo em comum: o silêncio. Os mortos não falam porque não podem; os vivos, porque não querem romper alianças ideológicas, afetivas, religiosas. E assim, a homeopatia e outras práticas alternativas seguem iludindo, lucrando, e matando.

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