Saúde

"Sem restrições, país terá 4 mil mortes", afirma Dias ao Valor Econômico

Governador do Piauí cobra de Bolsonaro coordenação nacional. Veja a entrevista na íntegra

  • quinta-feira, 18 de março de 2021

Foto: Pablo Jacob/Agência O GloboO governador Wellington Dias: “Quem comanda é quem foi eleito, mas eu tenho esperança que sendo o Queiroga um médico, poderemos ter mudanças”
O governador Wellington Dias: “Quem comanda é quem foi eleito, mas eu tenho esperança que sendo o Queiroga um médico, poderemos ter mudanças”

O governador do Piauí, Welligton Dias (PT), à frente do Fórum de Governadores no debate sobre a pandemia e presidente consórcio dos governadores do Nordeste, diz que governo Jair Bolsonaro precisa agir já e coordenar nacionalmente restrições à circulação de pessoas, caso contrário a contagem de mortos por covid-19 chegará à marca de 4 mil por dia no país. Para ele, mais do que responsabilizar o ministro da Saúde -- Eduardo Pazuello ou Marcelo Queiroga -- o que é preciso é que o presidente mude suas posições em relação à crise.

Dias teve uma interlocução frequente com Pazuello e mostra otimismo em relação às chances de aceleração da vacinação. Mas diz que para isso, novamente, é preciso uma coordenação que envolva diversos órgãos e que tenha empenho direto do presidente. A seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu por telefone ao Valor:

Valor: O que esperar do novo ministro da Saúde?

Wellington Dias: O que todos nós, governadores e todo povo brasileiro, esperamos é que, sendo ele um médico conceituado, que ele possa colocar como prioridade o plano estratégico contra a pandemia, que foi aprovado após um debate com vários setores.

Valor: Significa acelerar o ritmo de vacinação?

Dias: Mais do que isso. Nós estamos na seguinte situação: o Brasil inteiro chegou a uma situação de colapso ou a uma situação de limite no que se refere ao atendimento de pacientes com covid e a pacientes que não têm covid. Porque além dos pacientes covid, o Brasil tem milhões de pessoas na fila com outras doenças. Então se for feito um estudo, vai-se mostrar que o número de mortes por outras doenças está mais elevado do que era o padrão no Brasil, também por conta desse colapso na rede hospitalar. Estamos numa situação em que os pacientes que são atendidos nos hospitais públicos e privados e que conseguem uma vaga nesses dias consegue uma vaga muito mais pela morte de outras pessoas. E só agora houve liberação de uma parte dos recursos federais para pagar o mês de janeiro. Recursos para UTI, para leitos clínicos, para exames, para compra de medicamentos, de luvas de máscaras cirúrgicas, para anestesia, para tudo que se precisa.

Valor: Os governadores estão adotando por si mesmos medidas restritivas. É preciso uma ordem nacional para novas restrições?

Dias: Os Estados brasileiros estão adotando essas medidas até domingo. Os 27 Estados e o Distrito Federal, alguns terão medidas ainda depois. Agora, falta o governo federal. Seriam importantes medidas em relação aos aeroportos, aos portos, às ferrovias, ao próprio serviço público federal, que definisse o que são serviços essenciais para que tivéssemos medida mais uniformes do Brasil inteiro.

Valor: O novo ministro já falou em continuidade em relação a trabalho que vem sendo feito pelo ministro Pazuello. Pregar continuidade neste momento faz sentido? O que precisa mudar radicalmente?

Dias: Se o Brasil não adotar uma medida coordenada nacional mais forte para conter o coronavírus... o próprio ministro Pazuello já tinha previsto que chegaríamos a 3.000 óbitos por dia. E isso não era difícil de se prever justamente pela ausência de medidas nacionais. Se quisermos reduzir o número de mortes para 2.000, 1.500, 1.000 e para menos óbitos por dia será preciso adotar medidas. Essa é a opção que o Brasil terá de tomar. Nós vamos permitir que no Brasil morreu mais ou menos pessoas?

Valor: É necessário um lockdown nacional?

Dias: Isso seria uma medida que impediria que as pessoas pudessem por pé na rua. Eu acho que existem medidas necessárias que se aproximam de um lockdown. A vantagem de uma medida nacional seria não ter ninguém contra isso. Porque hoje qual é o problema? Estados e municípios e cientistas defendem que é preciso restrição à circulação e do outro lado você tem um presidente da República dizendo que não. Se todos forem na mesma direção haverá um efeito maior.

O que aconteceu com Alemanha, Itália, Espanha e outros países que também já passaram por situações de agravamento muito forte da pandemia? Nesses países a adoção dessas medidas foi importante não apenas para a saúde, mas também para a própria economia. Às vezes se diz que as medidas de restrição são inimigas da economia. Não são. Estamos perdendo profissionais, perdendo mão de obra qualificada, estamos perdendo vidas.
Então o que nós esperamos de mudança primeiro é essa, medidas de restrições.

Valor: E quanto à vacinação? O senhor acredita que será possível acelerar o ritmo da imunização?

Dias: O Brasil está em um grupo de mais ou menos dez países que têm laboratório. Só a Fiocruz tem condições de produzir 1 milhão de doses por dia; o Butantã tem condições de produzir 1 milhão de doses por dia, a União Química tem condições de produzir 8 milhões de doses por mês, mas pode chegar a 20 milhões de doses. Então se esses laboratórios tiverem apoio e se estiverem em pleno funcionamento nós podemos chegar a 80 milhões de doses. E, além disso, não é razoável que, por outros interesses, se impeça, por exemplo, o uso da vacina Sputnik. Num dado momento, se quis impedir a vacina da China. Se não fosse a China, agora não teria vacina no Brasil.

Valor: O senhor conversou com o Queiroga depois que ele aceitou o cargo de novo ministro?

Dias: Sim, eu conversei com ele ontem (terça-feira) ele estava junto com o ministro Pazzuelo. Liguei para agradecer ao ministro Pazuello, nessa minha missão de coordenador o tema da pandemia pelo Fórum dos Governadores e como presidente do consórcio Nordeste. Ele, Pazuello, sempre foi bastante atencioso em nos ouvir em buscar Soluções. Na minha opinião o problema é que ele tinha pouco apoio do presidente da República.

Valor: O novo ministro terá esse apoio?

Dias: O que tem que mudar, na verdade, é a decisão política do presidente de passar a seguir o caminho de salvar vidas.

Valor: O senhor avalia que ele pode ter mais chances do que o Pazuello de entregar melhores resultados?

Dias: Não dá para colocar toda a responsabilidade no ministro Queiroga. Eu acho que seja o Queiroga, seja o Pazuello ou qualquer um que estiver lá, se não tiver o apoio firme do presidente da República para adotar medidas como as que os Estados Unidos adotaram [de reversão de um discurso negacionista e adoção de medidas mais restritivas junto com vacinação],nós não vamos ter as mudanças necessárias. Estamos tendo uma carnificina no Brasil estamos tendo uma tragédia humana no Brasil.

Valor: O que o senhor pediu ao Queiroga?

Dias: Eu falei com o doutor Queiroga, desejei as bençãos de Deus, e pedi a ele que pudesse agilizar uma agenda com os governadores. Temos pautas SOS. Uma delas a necessidade de regulamentar essa lei que permitiu que Estados e municípios pudéssemos comprar vacinas - seguindo o plano estratégico de imunização. Outra, é celebrar o contrato que ficou faltando com o consórcio Nordeste em relação à vacina Sputnik.

Nós fechamos o contrato para que a vacina seja usada pelo SUS e ficou acertado que haveria um contrato em que o governo federal entra como uma espécie de interveniente e passa a assumir o recebimento da carga, o transporte, armazenagem e a certificação junto à Anvisa e a distribuição para todo o Brasil. E além disso, é claro, tem a adoção de medidas de âmbito nacional. E ele manifestou que muito rapidamente, após a posse buscaria agendar essa nossa agenda.

Valor: O senhor enxerga algum sinal de que haverá alguma mudança no curso da atuação do Ministério da Saúde porque o Presidente da República permitirá ou pedirá mudanças?

Dias: Quem comanda é quem foi eleito, mas eu tenho esperança que sendo o Queiroga um médico, poderemos ter mudanças, poderemos ter minimamente a ciência sendo levadae em conta. E eu vi declarações dele declarações dele [Queiroga] realçando a importância de uso de máscaras. Neste instante, uma propaganda nacional que o Brasil não fez nenhuma vez para o uso da máscara, para o distanciamento, para higiene já é um passo. Só que agora nós estamos no pior momento da pandemia.

Valor: O Brasil parece rumar para as 3 mil mortes por dia. O senhor avalia que vamos continuar nesse ritmo e chegar às 4 mil mortes por dia? Essa é uma marca que parece inevitável hoje ao senhor?

Dias: Senão estancarmos esta semana, a resposta é sim. Por que o nível de transmissibilidade está voltando ao patamar de 1 para 3. Ou seja, se eu tiver um milhão de pessoas com coronavirus esta semana na outra semana eu já terei quatro milhões de pessoas com coronavirus. Cada uma que tinha o vírus transmite para outras três. O que precisamos é voltar pelo menos de um para um. E a única forma de conter esse aumento é o isolamento, e junto com o isolamento a vacina.

Valor: Voltando à vacinação, o senhor está otimista?

Dias: Eu acho que a gente tem chances reais e essa é uma notícia boa. Se o Brasil fizer acontecer os contratos que já tem, se a gente não deixar que a burocracia atrapalhe, nós vamos ter condições de terminar o mês de março com aproximadamente 11% ou 12% da população vacinada e é possível que em abril alcancemos algo em torno de 25% da população vacinada. Isso significa vacinar toda a fase 1, todo o grupo de maior risco, ou seja, o grupo que responde por 70% das internações e por mais de 70% dos óbitos. pessoas com mais de 60 anos -- ou mais novas, mas com comorbidades, pessoas da área de saúde e indígenas.

Ao vacinar todo esse grupo até abril temos chances reais de reduzir internações e reduzir óbitos. pela vacina.

Valor: Mas para que isso de fato ocorra será preciso o quê?

Dias: De uma coordenação nacional entre Ministério da Saúde, Itamaraty, Ministério da Fazenda, apoio aos laboratórios Fiocruz, Butantã e União Química. E é preciso ter uma linha direta do presidente da República com os presidentes da China, da Índia, do Reino Unido, dos Estados Unidos, da Coreia do Sul, da Rússia e tratativas feitas diretamente com empresas fornecedoras de vacina. É uma orquestra que precisa de um maestro coordenando para que a cada semana a gente tenha um patamar mais elevado de vacinação.

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